07 fev

Quilombo Pérola do Maicá, em Santarém (PA), conquista título de segunda parte da área

Assessoria de comunicação Terra de Direitos

Comunidade exibe com orgulho os seis títulos do Quilombo Pérola do Maicá / Foto: Franciele Petry Schramm

Primeira – e única – comunidade quilombola de Santarém (PA) a receber o título por parte de seu território, o Quilombo Pérola do Maicá comemora agora uma importante conquista: nesta quarta-feira (05) representantes da comunidade receberam o título de mais três partes do território. Com isso – e após muita pressão dos quilombolas e por determinação judicial –  seis das sete áreas que formam o quilombo estão tituladas.

Os três títulos em nome da Associação dos Remanescentes do Quilombo do Arapemã Residentes no Maicá foram entregues pela prefeitura de Santarém em cerimônia realizada no Centro Municipal de Informação e Educação Ambiental (CIAM).

“Para a gente é uma alegria e uma honra porque é uma luta de muito tempo. Essa não é uma conquista só do Quilombo Pérola do Maicá, mas é de todos os territórios quilombolas de Santarém”, destaca o presidente da associação da comunidade, José Humberto Cruz.
Agora, mais de 70% do território onde vivem 34 famílias quilombolas está titulado: são quase 23 mil m². A luta, no entanto, não chega ao fim: resta agora uma área de mais de 8 mil m² a ser titulada.

Presidente da Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS), Dileudo Guimarães também lembra que a titulação é resultado de muita luta coletiva: neste ano, a FOQS completa 15 anos. “Vamos continuar lutando até ter todas as comunidades tituladas”, reforça.

Para a quilombola Lídia Roberta Amaral, o título é um importante instrumento na defesa do território e do bem-viver da comunidade. Único quilombo de Santarém localizado na área urbana, o Pérola do Maicá está entre dois empreendimentos portuários previstos para o Lago Maicá. A falta de consulta prévia aos quilombolas da região já resultou na suspensão do licenciamento ambiental de um deles – o porto da Embraps. Apesar de também não ter realizado o processo de consulta prévia como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, as obras do porto da Atem’s seguem a todo vapor. A violação de direitos na construção dos dois empreendimentos já foi denunciada pela FOQS ao Ministério Público Federal, com assessoria jurídica da Terra de Direitos.

Para Lídia, com o título em mãos, a comunidade pensará formas de organização interna e gestão territorial da área. “Vamos pensar como vamos nos organizar para enfrentar a construção do porto”, conta. Melhorias na infraestrutura da comunidade e o avanço em políticas públicas – como de saúde e educação – também serão reivindicadas pelos quilombolas. “Espero que a gente consiga ter mais visibilidade e respeito”, destaca.

Ela também lembra que o quilombo é marcado pela resistência histórica de mulheres, como de Dona Maria Zenaide, já falecida. Uma das primeiras sócias da associação da comunidade,  Maria Zenaide foi também uma das fundadoras do grupo de mulheres da FOQS, o Na Raça e Na Cor. Sua luta tem continuidade na luta da filha Madalena, que ainda mora no Pérola do Maicá. “Através delas nós estamos aqui”, destaca.

Luta antiga

O Quilombo Pérola do Maicá foi formado pelo deslocamento de famílias que saíram da área rural e se instalaram na cidade, no fim da década de 1980. Grande parte dos quilombolas vieram do Quilombo Arapemã, localizado em área de várzea, por causa do fenômeno chamado de “terras caídas”, uma erosão que prejudica as áreas ribeirinhas e de várzeas do município. Atualmente, muitas famílias da Comunidade Quilombola Pérola do Maicá ainda vivem da pesca, do extrativismo e da agricultura, como outros quilombos da cidade.

A emissão dos títulos pela prefeitura é consequência, na verdade, de uma tentativa de invisibilizar os quilombolas da região por parte do poder público.  Em 2013, a prefeitura de Santarém ajuizou uma Ação Civil Pública para questionar o processo de titulação do Pérola do Maicá, iniciado no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária em 2007. Durante a ação, no entanto, verificou-se que a área onde estava localizada a comunidade não era de propriedade da União, mas do município. Dessa forma, a titulação não se daria pelo Incra, mas pela prefeitura.

Em 2014, após acordo realizado com Incra e com a Associação dos Remanescentes do Quilombo do Arapemã Residentes no Maicá, acompanhado pelo Ministério Público Federal, a prefeitura se comprometeu a titular as sete áreas do quilombo.

A morosidade no cumprimento do acordo fez com que a Justiça Federal determinasse, em 2018, que a prefeitura titulasse as áreas dentro de um mês. As três primeiras partes do Pérola do Maicá foram tituladas, então, no início de 2019. O processo foi acompanhado com a assessoria jurídica da Terra de Direitos.

“A gente ter uma área titulada é uma vitória, apesar da toda a demora e burocracia da prefeitura em titular essas três áreas”, avalia quilombola e estudante de Direito, Heloína Maria dos Santos da Cruz. “Isso representa toda a luta dos nossos antepassados que vieram lá do Arapemã. É uma realização para gente”, completa.
Matéria publicada no site Terra de Direitos em 05/02/2020

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