Por: Letícia Queiroz

As alunas da Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas – projeto da CONAQ financiado pelo Fundo Malala – fazem reivindicações em seu estados e municípios por educação de qualidade. A grande maioria estuda em escolas com péssimas condições estruturais, tem professores sem o currículo adequado para as Diretrizes da Educação Escolar Quilombola e convive com outros problemas que afetam a educação, como dificuldade de acesso por causa de estradas e ônibus ruins.

As meninas que fazem parte do projeto são de várias partes do país. Com histórias e dificuldades diferentes, elas se mobilizam para tentar melhorar o ensino nas escolas quilombolas. As adolescentes também discutem outras situações que as afetam as comunidades, como questões de gênero, raça e território, combate ao racismo, engajamento na luta política do movimento quilombola, busca por políticas públicas, entre outros.

Nesta sexta-feira, 28 de abril, é o Dia da Educação. Na data, saiba como as meninas ativistas lutam por um ensino público de qualidade, direito básico que muitas vezes não alcança muitos e muitas estudantes em quilombos, aldeias e zonas rurais.

Gabrielem Lohanny

Gabrielem Lohanny da Conceição Bento, da comunidade quilombola de Boa Vista, em Salvaterra (PA), na Ilha do Marajó, estava preocupada com a situação da escola. Ela resolveu se manifestar nas redes sociais por melhorias na unidade e a ação acabou resultando em reuniões com o secretário de educação do município.

A jovem tem 14 anos, estuda o 9° ano e conta que decidiu fazer uma publicação no Facebook depois que ela e colegas de outras turmas entenderam a necessidade de melhorias na escola. “Eu resolvi fazer esse post por conta da minha escola que se encontra em péssimas condições, com pouca infraestrutura, falta de merenda, falta de água, entre outros fatores. A gente chegou a organizar um protesto que infelizmente foi interrompido por forças maiores e foi aí que eu tomei essa decisão de postar a minha e a realidade dos meus colegas para que tivéssemos alguma resposta e melhoras sobre o assunto”.

Veja a postagem:

 

 

Após a publicação, as/os estudantes tiveram duas reuniões com o secretário de educação local.  “Conversamos sobre tudo o que nós estávamos precisando e foram apresentadas várias propostas e promessas do secretário. E tivemos algumas realizações dessas promessas. No dia 24 de abril tivemos outra reunião para continuar falando sobre o problema da merenda e da infraestrutura”.

Gabrielem conta que depois dos encontros realizados no projeto da CONAQ conseguiu entender melhor sobre seus direitos e ter coragem de reivindicar.  “Com ajuda da Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas eu estou me reconhecendo, sabendo me expressar por mim e pela minha comunidade e acabei me tornando um exemplo para os moradores do meu quilombo”, disse.

Ela e os/as colegas já começaram a colher frutos.  “Depois da minha postagem está havendo avanços na minha escola. Pessoas competentes da comunidade que estavam afastados dos seus cargos na Educação voltaram a trabalhar. A água melhorou um pouco e também tivemos mudanças na merenda escolar”, explicou Gabrielem.

Débora Fernanda Mafra Fonseca

A estudante Débora Mafra tem 15 anos, é da Comunidade Bom Viver, em Mirinzal (MA) e também tem atuado em diferentes espaços desde que começou a fazer parte da Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas. Em um curto intervalo ela participou de duas lives: uma sobre Direitos Humanos e outra no Dia da Mulher para falar sobre a necessidade de educação de qualidade.

“A Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas tem sido um mega desafio. Pode parecer simples para alguns, mas confesso que para mim tem feito a diferença. Durante um curto espaço de tempo pude perceber um amadurecimento pessoal em relação à luta quilombola, e principalmente à educação que nos é concedida”.

A jovem que também escreve poesias conta que a Escola Nacional tem proporcionado momentos positivos de compartilhamento de vivências de forma inovadora.

“Eu nunca havia participado de uma live falando sobre mim, minhas histórias, a história de luta e resistência do meu povo, ou até mesmo experiências pessoais com base na minha identidade, até que fui convidada a participar de uma live com outros jovens ativistas de outras culturas. Isso me pegou de surpresa, mas eu aceitei com muita alegria, pois estava ali representando um povo e aquilo foi ótimo pra mim”, disse.

Ela também ficou feliz em discutir educação de qualidade para meninas e mulheres quilombolas no Dia da Mulher. “Também participei de outra live, dessa vez promovida pela CONAQ em parceria com Rede Malala. O mais especial é que foi no dia em que as mulheres de todas etnias e culturas brasileiras se juntam, não apenas com o intuito de serem homenageadas, e sim para relembrar e celebrar a história de luta de todas as mulheres. E essa não é uma luta recente”.

 Mariana de Jesus

Mariana de Jesus tem 15 anos, é da comunidade quilombola Caraíbas, e representou estudantes quilombolas da rede estadual do Piauí em uma reunião com o secretário de educação do Estado. Ela pontuou dificuldades no aprendizado e exigiu das autoridades melhorias, principalmente no transporte escolar.

Como na maioria dos casos, ela explica que a escola fica longe do quilombo. Ao secretário Washington Bandeira e às lideranças presentes ela repassou o pedido dos outros alunos e alunas que se arriscam para ter acesso à educação.

“Nós, estudantes quilombolas, queremos ser identificados no censo escolar e queremos também segurança nos transportes que nos levam para estudar na cidade”, disse. A jovem Mariana explicou que o ônibus escolar que transporta estudantes está em situação precária. “O que precisa melhorar nos transportes escolares é a segurança, a falta de conforto, a limpeza. Precisamos de ônibus novos”.

A falta de conteúdo no currículo escolar sobre a história da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e os negros e negras na formação da sociedade nacional, entre outros assuntos, também é alvo de reclamação de estudantes.

“Todos os anos que estudei nunca nenhum professor falou sobre a história dos quilombolas. Só no final do ano, no dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, é que falam alguma coisa e isso eu acho injusto. Porquê só falam das histórias dos europeus e nunca dos quilombolas?”, reclamou a aluna Mariana de Jesus.

Mariana gostou de ter contribuído e disse ter sido importante apresentar demandas de estudantes na mesma situação, mas que sonham com uma realidade diferente.“Foi a primeira vez que viajei desacompanhada da minha mãe e do meu pai. Pra mim foi uma honra ter participado desse momento foi muito importante para mim  ter representado os estudantes do nosso Piauí. Aprendi que podemos sim ter uma educação de respeito e temos que defender nossos direitos e realizar nossos sonhos e objetivos”.

Ana Clara Alves Gonçalves Fonseca

Ana Clara tem 15 anos é comunicadora popular. Ela é do quilombo do Candeal II, em Feira de Santana (BA), e junto com outras meninas pretas criou um podcast. O espaço para fazer reivindicações e levar conhecimento à comunidade.O  programa é transmitido no canal do youtube da comunidade e em lives pelo Instagram.

“É uma proposta para discutir questões relacionadas à juventude negra e identidade sob as perspectivas dos próprios jovens. Um dos temas que dialogamos foi educação antirracista, que é muito necessário”, disse Ana Clara.

Segundo Ana Clara, o programa feito pelas meninas é discute questões que afetam a comunidade.   “É um programa coletivo. A gente também informa dos eventos que vão acontecer na comunidade, sobre ações da associação. A ideia também é desenvolver a comunicação comunitária e a popularização da informação em vários temas, principalmente raciais”.

Maria Leontina

A jovem Maria Leontina de 17 anos é do quilombo Conceição das Crioulas em Salgueiro (PE). A estudante participou do ‘Encontro da Juventude: dialogando indentidade étnico-racial, direitos educacionais e sociais’. O evento contou com cerca de 200 jovens quilombolas e na ocasião ela falou sobre a importância da educação escolar quilombola no combate ao racismo.

Uma das atividades no encontro era formar grupos, escolher temas e achar soluções para as situações apresentadas. Maria Leontina representou seu grupo e falou sobre as dificuldades no enfrentamento ao racismo.

“Para este problema, que é tão presente na nossa comunidade, lançamos essas três propostas:  Fazer um grupo de jovens para debater sobre o que passamos e ajudar uns aos outros; desconstruir a ideia de que o ensino específico quilombola só estuda sua própria história e não tem qualidade; fazer campanhas de incentivo para que mais jovens da comunidade ingressem nas universidades e se formem em profissões que são consideradas ‘mais importantes’”.

Maria Leontina disse que depois que começou a participar da Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas abriu os olhos para várias questões da comunidade, desenvolveu a comunicação e teve mais vontade de participar de atividades sobre o quilombo.“Ampliei mais a minha visão. Sempre me identifiquei como quilombola e sempre estudei em escola quilombola, mas eu tinha vergonha de participar dos projetos. Percebi que não preciso ter vergonha de nada, me ajudou a perder a timidez e de ter mais local de fala. Eu não conseguia me posicionar e hoje eu consigo”, disse Maria Leontina.

A estudante entende que a Escola Nacional forma novas lideranças ligadas principalmente na luta por educação. “Nossas lideranças estão envelhecendo e nós jovens temos que começar a nos posicionar. Seremos as novas lideranças e isso vai influenciar no futuro da nossa comunidade. Precisamos nos posicionar desde agora, ter local de fala. Isso tudo é muito importante”, disse Maria Leontina.

 

 

 

Ana Laura Donato

A jovem Ana Laura é do quilombo Porto Velho em Iporanga (SP). Aos 17 anos ela já participou de atividades pensando no bem estar e valorização da comunidade e de estudantes quilombolas.

Um dos encontros que a estudante participou tratava da necessidade de criação de uma comissão alimentar tradicional dos povos. “É uma comissão formada para atuar junto ao Ministério Público para atuar e fiscalizar junto às prefeituras locais para garantir que a lei do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) seja comprida”, disse a jovem.

A Lei nº 11.947 diz que 30% do valor repassado pelo Programa deve ser investido na compra direta de produtos da agricultura familiar, medida que estimula o desenvolvimento econômico e sustentável das comunidades.

“O problema que a gente encontra hoje é que nas escolas dos quilombos as crianças não comem os alimentos produzidos pelos os agricultores das comunidades, e assim vai se perdendo uma cultura alimentar”, disse Ana Laura.

A estudante também explicou sobre a existência da Cooperativa dos Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira (Cooperquivale).  “Queremos que as prefeituras dos nossos municípios comprem os nossos produtos para merenda escolar”, defendeu.

A Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas

A Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas é uma iniciativa do Coletivo de Educação da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), fundado por um grupos de professoras e professores. O projeto é financiado pelo Fundo Malala, que incentiva ações de educação com foco em meninas quilombolas, negras e indígenas.

O objetivo da Escola Nacional é tornar meninas quilombolas conscientes de seus direitos para que elas possam atuar e defender a educação quilombola de qualidade, denunciando e cobrando o Estado.

O projeto nacional contribui para o protagonismo das meninas. Elas se mostram cada vez mais investidas na defesa da cultura, dos valores, do território e da educação quilombola e usa o ativismo dentro e fora da comunidade e do ambiente escolar.

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