08 mar

Conheça mulheres e meninas quilombolas que debatem igualdade de gênero e educação de qualidade para os quilombos

Por: Letícia Queiroz

Fortalecer, empoderar e encorajar jovens quilombolas de todas as regiões do Brasil. É o que tem feito um grupo de mulheres quilombolas que compõem a Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas – projeto da CONAQ apoiado pelo Fundo Malala. Neste dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, as estudantes afirmam que não há o que comemorar já que o Brasil enfrenta o machismo e alto número de feminicídios e desigualdades. Elas afirmam que é preciso lutar para mudar a realidade dentro das escolas, dos quilombos e em todos os lugares do mundo e reconhecer a importância das mulheres na luta pelo bem-viver nas comunidades. 

A Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas teve início em novembro de 2022. As aulas virtuais propostas pelo projeto acontecem semanalmente e contam com participações de mulheres quilombolas que fazem luta por educação, igualdade de gênero e de raça e de outras pautas que afetam, sobretudo, jovens e mulheres quilombolas. Há mais de um ano as jovens 

Os encontros entre quilombolas de gerações diferentes mostram que desafios vividos há décadas ainda atravessam as vidas dentro das comunidades quilombolas. Com as discussões as meninas passaram a entender mais sobre direitos que possuem e das obrigações do Estado Brasileiro. Foi durante as aulas que as meninas tiveram conhecimento de que o ensino da cultura afrobrasileira nas escolas é obrigatório. Com isso, passaram a cobrar o cumprimento da Lei 10.639 onde estudam. 

Conforme dados do Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil possui um total de 1.327.802 quilombolas em 1.696 municípios do país. A grande maioria das comunidades enfrentam situações semelhantes, como a luta por titulação dos territórios e busca por educação de qualidade. 

Apesar da pouca idade, as estudantes que já fazem trabalhos de ativismo em suas comunidades e se mostram preocupadas com os problemas nos lugares em que frequentam. Com ações diárias e nas conversas em grupo, as jovens mostram o desejo de se tornarem futuras lideranças quilombolas.

Givânia Maria da Silva, quilombola de Conceição das Crioulas em Salgueiro (PE), co-fundadora da CONAQ, coordenadora da Escola Nacional e ativista por educação de qualidade para estudantes quilombolas, afirma que o projeto é uma invenção feita a partir do pensamento quilombola e que segue um ensinamento ancestral. 

“É aquilo que o nosso mestre Nêgo Bispo disse: ‘a ancestralidade come’. E eu vejo a Escola Nacional alimentando essa ancestralidade pelo fazer feminino das mulheres quilombolas. É um projeto de mulheres, coordenado por mulheres e é um bom exemplo para a gente refletir na importância do empoderamento das mulheres quilombolas. Os quilombos têm um protagonismo feminino e a Escola Nacional é uma sequência, segue o mesmo pensamento. O projeto cumpre várias tarefas: alimentar a ancestralidade, alimentar o protagonismo feminino e empoderar as mulheres quilombolas para continuarem essa luta por uma sociedade menos machista, menos racista e mais humana, com equidade de raça e de gênero”, afirmou.

As estudantes contam que se inspiram nas mulheres da equipe. Rhuanny Batista Albernas de 18 anos estuda o 2° do Ensino Médio e afirma que a forma como se enxerga mudou após o início das aulas virtuais.

“Me sinto motivada. Cada aula é um aprendizado incrível. Cada fala de cada mulher da Escola Nacional e das professoras convidadas torna minhas raízes fortes. Vivemos em uma sociedade 100% racista, preconceituosa. É difícil, mas tenho meus pés firmes no chão por ser rica de uma estrutura totalmente verdadeira. Graças à Escola Nacional sou mas viva em mim mesma. As professoras me fazem sentir uma deusa da beleza. Sempre que as vejo nas aulas cada vez mais belas, me fazem sentir um amor imenso pela minha aparência. Saio de cada aula mais forte e entendendo mais a minha história e personalidade. Essas mulheres estão contribuindo com uma mudança de vida das jovens que foram aprovadas no processo seletivo da CONAQ”, disse a jovem.

As lideranças também se inspiram com a determinação da nova geração. Cleane Silva coordenadora da CECOQ/PI e responsável pelo monitoramento e avaliação do Coletivo de Educação da CONAQ diz que o projeto é uma convergência entre trajetórias de meninas e mulheres quilombolas que passaram pelas mesmas experiências.

“As meninas se inspiram nas mentoras e coordenadoras e a gente tem cada dia mais  certeza de que a Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas da CONAQ, vem qualificando a incidência política de meninas que logo assumiram o lugar de mulheres líderes em seus territórios. Isso é continuação da luta e também das conquistas dos/ das que vieram antes de nós”, afirmou.

As meninas que fazem parte do projeto já fortalecem a luta. Em pouco mais de um ano elas participaram de ações importantes que trouxeram resultados. Entre as atividades estão um encontro com a ativista Malala, lançamento de uma campanha nacional por educação de qualidade para meninas quilombolas, participação no Encontro Nacional de Mulheres Quilombolas da CONAQ, escrita de carta contendo problemas na educação vividos por meninas quilombolas em todo o Brasil, audiência com o Ministro da Educação, Camilo Santana, e da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, reunião na Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi).

Veja aqui ações lideradas por jovens quilombolas:

Conheça a luta das estudantes em seus territórios: https://conaq.org.br/noticias/no-dia-da-educacao-conheca-a-luta-das-alunas-da-escola-nacional-de-formacao-de-meninas-quilombolas-por-ensino-de-qualidade/

Campanha por educação de qualidade: https://conaq.org.br/noticias/escola-nacional-de-formacao-de-meninas-quilombolas-lanca-campanha-por-educacao-de-qualidade-veja-video/

Reunião SECADI – http://conaq.org.br/noticias/escola-nacional-e-coletivo-de-educacao-da-conaq-discutem-educacao-quilombola-em-audiencia-no-mec/

Missão no Amazonas – https://conaq.org.br/noticias/escola-nacional-de-formacao-de-meninas-quilombolas-denuncia-violacoes-ao-direito-a-educacao-quilombola-no-amazonas/

Amanda Victória do Carmo Martins tem 15 anos, mora na comunidade quilombola Oxalá São Judas Tadeu, em Bujaru, no Pará, e está no 1° Ano do Ensino Médio. Ela diz que nas aulas aprende sobre seus direitos, autoestima e realização de sonhos.

“As mulheres da Escola Nacional lutam todos os dias pelos nossos direitos. Eu posso aprender com elas e entender como é um orgulho ser preta, ser quilombola. Tenho esperança em que um dia eu e todas as meninas quilombolas seremos e teremos o direito de sermos tratadas com o respeito que nós merecemos. Ser mulher quilombola e ser linda do jeito que somos não importa a cor e o jeito do cabelo. Ser mulher quilombola é saber que nada nos fará desistir dos nossos sonhos”, contou Amanda.

E é sobre os direitos das jovens quilombolas que Sara Fogaça faz  questão de destacar nos encontros. A advogada, que é integrante do Setor Jurídico da CONAQ e monitora da Escola Nacional, diz que estar na equipe e acompanhar as meninas é gratificante.

Ver jovens quilombolas com debates ricos, defendendo seus direitos, apontando as injustiças junto à sua comunidade, é poder vislumbrar um futuro com meninas potentes, é sentir que o direito como nos foi apresentado está sendo desmistificado por cada uma delas. O direito quilombola tem voz e são essas meninas que reforçam a voz a cada dia”, afirmou, Sarah.

Sabendo dos seus direitos, as meninas assumem o protagonismo para a defesa da cultura, dos valores, do território e da educação quilombola, denunciando e cobrando o Estado.

Ana Paula Mendes Barbosa, da Comunidade Quilombola Mourões, no Piauí, é aluna de uma das turmas da Escola Nacional,  disse que durante as aulas percebeu a importância de se autodeclarar quilombola. “Passo para a minha comunidade toda a minha experiência e conhecimento que tenho aprendido. Esses debates e reuniões da Escola agregaram muito na minha forma de pensar e agir. Me sinto mais empoderada e forte e conhecendo mais os meus direitos”.

Joeli Eduarda da Silva, da Comunidade Quilombola do Igarapé do Lago, afirma que está fortalecida com o compartilhamento de informações. “Descobri muitas coisas e estou me tornando uma pessoa com mais entendimento. É muito legal escutar as histórias das mulheres que são mais velhas que nós e que já passaram por muitas coisas na vida. Quero me tornar ainda mais forte”. 

Maria Aparecida Mendes, coordenadora pedagógica da Escola Nacional e ativista do movimento quilombola há 24 anos, diz que é importante contar com as meninas na luta.

“É muito importante vê-las engajadas nesse espaço que historicamente foi negado à população negra, especialmente às mulheres quilombolas, que é o espaço da academia, do saber científico, da educação. A nossa equipe abraçou essa missão de contribuir com uma educação quilombola diferenciada, de acordo com as realidades das comunidades, espelhadas pelas demandas apontadas por essas meninas que representam o Brasil. São jovens, guerreiras e ativistas por natureza. Que esse dia seja de reflexão e para fortalecer nossas energias e determinação para que sigamos lutando para que os direitos de meninas, mulheres adultas e mulheres idosas sejam colocados em prática pelo Estado e pela sociedade”, afirmou Cida.

 Sobre a CONAQ

A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) é uma organização de âmbito nacional, sem fins lucrativos, que representa quilombolas do Brasil. Os objetivos da CONAQ são lutar pela garantia de uso coletivo do território,  pela implementação de projetos de desenvolvimento sustentável e políticas públicas de organização das comunidades de quilombo, por educação de qualidade e coerente com o modo de viver nos quilombos, pelo protagonismo e autonomia das mulheres quilombolas, pela permanência de jovens nos quilombos e, acima de tudo, pelo uso comum do território, dos recursos naturais e em harmonia com o meio ambiente.

 

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