25 fev

TRF1 determina realização de estudos em território quilombola

Arte: ASCOM MPF

O Tribunal Regional Federal da 1a Região (TRF1) anulou, na quarta-feira (19), sentença da 8ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá (MT) que considerou não haver esbulho (espécie de invasão com violência) e perturbação de uma proprietária rural nas terras do Quilombo de Jacaré dos Pretos, em Nossa Senhora do Livramento (MT). A decisão atende pedido do Ministério Público Federal (MPF) e da Fundação Cultural Palmares, que alegaram que a área faz parte do território da comunidade remanescente de quilombo, havendo risco de as famílias residentes no local serem despejadas.

Segundo o MPF, o juiz infringiu o direito do contraditório e não deu à Fundação Cultural Palmares oportunidade de suprir possíveis omissões e indicar provas que pretendia produzir. Ele considerou que Maria Terezinha Leite Nadaf comprovou não ter invadido terras reconhecidas como Jacaré dos Pretos porque sua propriedade dista quase dez quilômetros da referida área de proteção cultural. Para o MPF, a decisão foi baseada apenas em documento unilateral juntado pela ré, e o magistrado alegou tratar-se, equivocadamente, de questão incontroversa.

É que, por força do art. 68 da ADCT, da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Decreto 4.887/2003, a posse dos remanescentes de quilombo, de caráter coletiva, inalienável, imprescritível e impenhorável, está ligada ao âmbito cultural (direito fundamental), e abrange fisicamente toda extensão territorial utilizada não só para habitação ou alimentação, mas também para o desenvolvimento do modo de vida, manutenção de valores, crenças ou qualquer outro aspecto coletivo de relação.

Com isso, o MPF acredita que somente é possível definir os limites de posse de um território de remanescentes de quilombo após os competentes estudos antropológicos e elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) pelo  Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) – art. 17 e seguintes do Decreto 4.887/2003. A decisão do TRF1 possibilita que esses estudos sejam agora realizados.

Em manifestações anteriores, o MPF já tinha pedido a intimação da União e do Incra para apresentação do RITD, documento imprescindível para resolução da causa por se tratar de estudo de cunho científico de teor antropológico e de agrimensura realizado pelo órgão oficial e especializado na matéria e competente para a regularização de áreas pertinentes às comunidades tradicionais, podendo servir de parâmetro decisório basal, sem prejuízo de possível perícia judicial.

O artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) dispõe que “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.

A comunidade quilombola Jacaré dos Pretos ocupa, tradicionalmente, território em Nossa Senhora do Livramento e foi certificada em 2005 pela Fundação Cultural Palmares, garantindo sua proteção até o fim do processo de identificação, demarcação e titulação do quilombo pelo Incra.

Apelação no 0009305-19.2014.4.01.3600/MT

Assessoria de Comunicação
Procuradoria Regional da República da 1ª Região

Matéria publicada no site do MPF em 21/02/2020

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