Supremo Tribunal Federal retoma marco temporal contra a luta quilombola

O ministro Dias Toffoli reconheceu a tese do Marco Temporal ao pronunciar seu voto na sessão dessa quinta-feira (9) em que o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou a votação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3239/204, impetrada pelo Partido Democratas (DEM) para questionar o Decreto nº 4887/2003, que regulamenta a titulação de terras quilombolas no Brasil.

Após discorrer durante duas horas sobre suas argumentações, anunciou julgar parcialmente procedente a Adi, reconheceu o Marco Temporal de cinco de outubro de 1988 – data da promulgação da Constituição Federal Brasileira –, inverteu o ônus da prova e ainda reduziu o entendimento de território quilombola em vigor, limitando-o à área ocupada pelas casas e quintais, excluindo todos os espaços coletivos.

“Foi pior do que o voto da Rosa Weber”, observa Oriel Rodrigues de Moraes, advogado da Confederação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), citando a ministra que votou contrariamente à Adi do DEM, mas também mencionou o Marco Temporal.

“O espaço de vida de quilombos não é isso, é um espaço de reprodução de vida, então tem o espaço místico, o espaços da rezas, o espaço dos cultos, o espaço das ervas … a gente tem uma vivência com a natureza que é muito grande. Dependemos dela e é um espaço de vida, a natureza também é parte da nossa vida. Restringir o território ao espaço que está ocupando naquele momento, é muito grave”, explica o advogado.

A inversão do ônus da prova também foi destacada por Oriel. “Para nós é muito difícil provar. Sabemos que o nosso povo ficou invisível muito tempo e essa invisibilidade fez com que as pessoas não conseguissem entrar na Justiça e exigir seus direitos. Nós fomos desapropriados, teve expulsão, mesmo, muita violência no campo, que não foi relatado até hoje. Por isso é muito perigoso esse voto, que inverte o ônus da prova”, alerta Oriel.

Após o voto de Dias Toffoli – que por duas vezes seguidas, desde o dia 16 de agosto, fez a votação ser adiada no STF –, o ministro Edson Fachin pediu vista do processo e a votação foi encerrada. O novo adiamento é visto positivamente pela Conaq. “Ganhamos mais tempo para conseguir reverter esse voto. Esperamos que o Fachin reverta de forma positiva para os quilombolas”, reflete Oriel.

As lideranças quilombolas continuam reunidas em Brasília, estudando formas de fortalecer a mobilização em favor da manutenção do Decreto 4887/2003 e da derrubada da Adi 3239/2204.  Na internet, também continua aberta a petição da Conaq contra a ADI, acessível no site do Instituto Socioambiental (Isa).

A terra não tem cor

O decreto, publicado quinze anos após a promulgação da Constituição Federal, inaugurou uma base jurídica consistente para garantir o direito à terra, historicamente negado no país, a essas populações tradicionais. Mesmo após sua publicação, no entanto, a maioria dos territórios quilombolas existentes no Brasil ainda não foram reconhecidos. No Espírito Santo, das mais de trinta comunidades, apenas uma foi titularizada, recentemente, em Ibiraçu, norte do Estado.

A anulação do decreto, portanto, certamente tornaria a luta quilombola por seus territórios ainda mais difícil e as comunidades ainda mais fragilizadas diante da Justiça e da lei. “Pode representar um retrocesso de séculos”, alerta a educadora Daniela Meireles, da Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), uma das ONGs mais ativas na defesa dos direitos dos quilombolas e outros povos tradicionais do país, inclusive no Espírito Santo.

Um retrocesso, complementa a educadora, não só para as populações negras descendentes dos quilombos, mas para toda a sociedade. “Esse processo de ADI pelo DEM corrobora com essa tese de que a terra é para brancos e grandes produtores do agronegócio, que serve apenas para parte da sociedade e não toda a sociedade. Isso é uma declaração de que a terra tem cor. E a cor que o DEM defende é a cor branca”, protesta.

Se o decreto cair, explica, o STF estará assegurando o racismo institucionalizado no país. “Perdemos todos com isso. A sociedade como um todo, que tem lutado de diversas formas para que esse racismo colonial seja rompido de uma vez por todas”, diz.

 

Por Fernanda Couzemenco Século Diário

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