Só cerca de 5% das 3,2 mil comunidades quilombolas reconhecidas no Brasil são demarcadas

A possibilidade de revisão da reforma agrária aumenta o pessimismo de líderes quilombolas sobre o avanço dos 1.716 processos de regularização emperrados no Incra. Alguns deles estão em andamento há mais de uma década.

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Fachada do Quilombo Sacopã, na Lagoa, Zona Sul do Rio. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil (Crédito: )

Fachada do Quilombo Sacopã, na Lagoa, Zona Sul do Rio. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

POR PAULA MARTINI (paula.martini@cbn.com.br)

Alvo de conflitos históricos, a concessão de terras pra comunidades quilombolas ganhou novos contornos com as promessas do governo Bolsonaro de suspender, e até rever, as demarcações. Entre os líderes quilombolas, a proximidade da nova administração com a bancada ruralista aumenta o pessimismo sobre processos de titulação emperrados no Incra. Hoje, apenas 4,8% das 3.254 comunidades reconhecidas pela União têm direito à posse da terra. Enquanto isso, 1.716 processos aguardam a fase de regularização. É o caso do Quilombo Sacopã, na Lagoa, Zona Sul do Rio, que deu entrada no pedido de titulação em 2005. Pratiarca da comunidade, José Luiz Pinto diz que a posse deixaria a família mais segura contra tentativas de despejo.

“Nosso quilombo está avaliado em R$ 250 milhões, então o interesse imobiliário é muito grande. A gente já sofreu muito com ameaças de mandar embora da prefeitura, do estado e da iniciativa particular. Então, a partir do momento em que você tem a propriedade confirmada, fica mais tranquilo até para fazer investimentos em infraestrutura que, hoje, a gente não faz porque fica na berlinda”

Pra ter acesso ao título, a primeira etapa é a expedição de uma certidão emitida pela Fundação Palmares com base na autodeclaração. Depois, o Incra dá início a uma série de estudos até chegar à fase de desapropriação de imóveis instalados nas áreas reivindicadas pelos quilombolas. Mas os critérios estão na mira dos ruralistas, que defendem uma revisão das regras. Francisco de Godoy Bueno, vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira, é contra a política de autodefinição e critica as desapropriações.

“Hoje, o critério estabelecido pelo decreto de 2003 é o de autodeclaração. E a gente vê que induz, muitas vezes, a um exagero das propostas. Em primeiro lugar, o que a gente defende é que o pleito de um território quilombola não deveria levar a desapropriação de propriedades produtivas privadas e já tituladas”

O princípio de autodefinição foi garantido pelo STF ano passado, após a Corte derrubar uma ação movida em 2004 pelo antigo PFL. O texto pedia que as comunidades provassem a ligação com grupos de escravos fugidos, e determinava um marco temporal pro pedido de direito à terra. A lentidão do julgamento é apontada como um das travas aos processos de titulação nos últimos anos. O presidente da Comissão Nacional da Escravidão Negra do Brasil da OAB, Humberto Adami, alerta que a morosidade deixa as populações tradicionais vulneráveis a ações de grilagem.

“O que mais eu vejo em termos de discussão é de haver uma onda de ações de reintegração de posseiros. A gente viu isso acontecer há alguns anos, com uma série de ações de reintegração de posse deferidas com a expulsão de quilombolas. Muitas vezes, elas eram movidas por grileiros e invasores que estavam disputando a terra sem ter, sequer, titulação adequada. Isso é muito ruim porque essas populações estão em situação de desvantagem econômica”

As quedas consecutivas no orçamento destinado à demarcação de terras também dificultam a conclusão dos processos. Esse ano, o valor disponível para o reconhecimento e indenização de territórios quilombolas caiu à metade em relação a 2018. O Incra informou estão previstos R$ 3,4 milhões pra essa finalidade no projeto de lei orçamentária de 2019, contra os R$ 6,3 milhões autorizados no ano passado.

*Matéria original da Rádio CBN publicada no site em 21 de janeiro de 2019.

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