19 abr

Prefeitura fecha escola quilombola em São Miguel do Tapuio (PI) após comunidade reivindicar melhorias na educação

Por: Letícia Queiroz

Município transferiu crianças para unidade escolar fora da comunidade sem avisar as famílias. Estudantes estão sem aulas há mais de 70 dias.

O Quilombo dos Macacos, em São Miguel do Tapuio, no (PI), protesta contra a retirada ao direito de educação escolar quilombola e outras ações arbitrárias e racistas que atingem toda a comunidade. Há mais de 70 dias famílias ocupam a escola que fica dentro do território. A prefeitura fechou a unidade e há mais de dois meses as crianças nascidas e criadas no quilombo estão sem estudar.

“Fomos obrigados a fazer a ocupação diante das retiradas de direitos. A escola estava dentro do quilombo, mas o quilombo não estava dentro da escola”, disse a liderança quilombola Maria Francisca Vieira de Almeida.

É que a unidade escolar do quilombo, construída em 2001, deixou de funcionar de acordo com as necessidades da comunidade. Em resposta, e sem nenhum diálogo, a prefeitura resolveu transferir as/os estudantes para outra escola fora do quilombo e com o impedimento de realização de aulas na comunidade, desde o início do ano letivo as alunas e alunos não frequentam salas de aula.

Entidades publicaram notas em apoio à comunidade e nesta quarta-feira (19) serão realizadas audiências para tentar resolver a situação.

Entenda

Maria Francisca explica que a luta da comunidade começou quando no início da gestão do prefeito Pompílio Evaristo Cardoso Filho (PSD). Com o passar dos dias foram sendo retirados direitos básicos da comunidade, como o atendimento a saúde e educação.

“Retiraram o pouco que a gente tinha. A gente tinha acesso à saúde dentro do próprio quilombo e a primeira coisa que eles fizeram foi retirar os atendimentos. Agora a comunidade precisa se deslocar cerca de 13 km para poder receber uma vacina, atendimento médico, exames, todas essas coisas. A comunidade está totalmente desassistida”, disse.

A escola tinha atendimento diferenciado, como defende a Coordenação Nacional de Articulação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), mas mudou a forma de tratamento com estudantes e com toda a comunidade.

Segundo os moradores, o acesso de pais e mães foi proibido e funcionários começaram a fazer comentários racistas e provocações. Além disso, a Secretaria de Educação se negou a colocar o nome “Unidade Escolar Quilombola José Felix de Almeida” – ancião da comunidade -, na fachada da escola.

“A gente interpretou isso como racismo. Como que proíbe de colocar esse nome sendo que a escola é quilombola, que ela está dentro do território? A comunidade ajudou a construir a escola. O nome foi colocado após a comunidade ocupar a escola, mas o quadro de funcionários não foi substituído. Não tinha como eles trabalharem aqui diante dos absurdos contra a comunidade”, explicou.

Os pais, mães e responsáveis foram proibidos de entrar na escola. Antes o espaço era frequentado e, quando necessário, em dias não letivos, o pátio da unidade poderia ser usado para reuniões da associação.

Até a merenda escolar foi alterada. Os alimentos naturais, como os que são produzidos na comunidade, eram valorizados, e ultimamente as crianças lanchavam biscoito com suco, cuscuz, pão, entre outros industrializados.

“O que a gente está passando é um massacre. A comunidade tá reivindicando respeito, educação quilombola e merenda de qualidade. O que estava acontecendo era uma falta de respeito com as nossas crianças, com a nossa educação”.

Dia 6 de fevereiro deste ano as famílias decidiram ocupar a escola. A polícia foi enviada à unidade na tentativa de intimidar as famílias, mas a comunidade permaneceu.

“Há mais de dois anos e meio não tem diálogo da Prefeitura. A comunidade várias vezes procurou diálogo, reivindicou direitos, fez documentos, enviou documentos para a área da saúde, educação, da cultura, dos direitos quilombolas. Tentamos mostrar ao prefeito que em São Miguel tem uma comunidade quilombola e que precisa ter um olhar diferente, mas ele nunca respondeu a comunidade em nada”, disse Maria.

Após o início da ocupação e de denúncia ao Ministério Público Estadual, a prefeitura transferiu todas as crianças para unidade fora da comunidade quilombola. “A escola funciona desde 2001 e ao invés de resolver a situação eles pioraram. A gestão baixou uma portaria transferindo alunos para outra comunidade. Nem comunicaram a comunidade. Nós nem recebemos a portaria. Tivemos acesso depois, mas não fomos comunicados. Transferiram sem falar com ninguém”, disse.

Agora a gestão diz estar disposta a oferecer o que a comunidade reivindicava, mas na escola fora do quilombo. “Isso não é preconceito? Isso não é racismo? O que leva um prefeito a não atender o que a comunidade está pedindo dentro do quilombo, numa escola que já existe, e estar oferecendo em outra escola que não tem nada a ver com a realidade da comunidade quilombola? Transferir sem ouvir pais e mães, fechando uma escola oferecendo esses tratamentos em outra escola que não tem nada a ver com a nossa ancestralidade, mas não atende aqui?”, questionou a liderança.

Givânia Silva, professora quilombola, pesquisadora, coordenadora do coletivo de educação da CONAQ, integrante do projeto SETA (Sistema Educacional Transformador e Antirracista) e da Rede de Ativista do Fundo Malala no Brasil diz que a atitude do gestor municipal fere regulamentações.

“A atitude do gestor municipal não só incorre em um erro político, que é tirar as crianças da comunidade e não dialogar com as representações, com as lideranças, também fere as Diretrizes da Educação Escolar Quilombola que diz que os estudantes quilombolas só não devem estudar no quilombo quando não tiver escola, o que não é o caso. Esse argumento que ele está colocando não se sustenta e a gente sabe que escola fechou porque a comunidade reivindicou um direito seu’, disse Givânia.

As Diretrizes defendem que os professores e professoras que atuam em escolas quilombolas devem ser, preferencialmente, quilombolas ou indicados e indicadas pela comunidade.

“Além disso existe uma Lei. As crianças não podem ficar sem estudo. Além de prejudicar essas crianças, as famílias vão ter seus benefícios cortados por irresponsabilidade do prefeito. É preciso os poderes públicos, o Ministério Público, a Defensoria, apoiem a luta da comunidade para corrigir esse erro”, afirmou Givânia.

A assessoria de Comunicação da CONAQ tentou falar com a prefeitura de São Miguel do Tapuio, no (PI), mas não conseguiu contato.


 

 

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