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Por que o debate do marco temporal é tão importante para os Quilombolas e indígenas

STF não debateu a tese defendida por Temer e seus aliados ruralistas, que preocupa indígenas e quilombolas por ameaçar as demarcações.

O Supremo Tribunal Federal (STF) analisou nesta quarta-feira 16 duas ações civis a respeito da legalidade da demarcação de terras indígenas, mas, ao contrário do que era esperado, não analisou o chamado marco temporal, uma tese jurídica que, se confirmada pela corte, poderia ameaçar todas as terras indígenas e quilombolas do País.
As duas ações civis foram abertas pelo estado do Mato Grosso, em 1986 e 1987, com questionamentos a respeito de demarcações de terras indígenas.

Na Ação Civil Ordinária 362, o Mato Grosso pedia indenização pela criação do Parque Indígena do Xingu, a primeira terra indígena brasileira, demarcada por decreto em 1961, pelo então presidente Jânio Quadros. Na Ação Civil Ordinária 366, o Mato Grosso pedia indenização pela demarcação das terras Salumã, Utiariti e Tirecatinga, dos povos Paresi, Nambiwara e Enaewnê-Nawê. Por unanimidade, os ministros acompanharam o voto do relator, Marco Aurélio Mello, e rejeitaram os pedidos do Mato Grosso.
A análise sobre a constitucionalidade do decreto que estabelece procedimentos de demarcação de territórios quilombolas (ADIn3239) foi adiada pois o ministro Dias Toffoli, que estava com o caso, ficou doente e não foi ao Supremo.

Marco temporal

O movimento indígena temia que o STF adotasse a tese do marco temporal durante o debate desta quarta-feira 16. Tal tese teria como resultado restringir genericamente o direito constitucional de demarcação de terras e territórios tradicionais de povos indígenas e comunidades quilombolas caso elas não comprovassem a ocupação das áreas reivindicadas na data da promulgação da Constituição de 1988. Isso desconsideraria todo o processo de expulsão sofrido por essas comunidades.
A tese do marco temporal surgiu ao longo dos anos 2000, na disputa em torno da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. A proposição apareceu no voto do então relator do caso, Carlos Ayres Brito. Ela não foi aplicada no caso, mas ainda assim ficou criou um enorme temor nos indígenas. “O [marco temporal] ficou de alguma maneira ali rondando, e os advogados dos fazendeiros passaram a fazer uma pressão bastante grande para que sua aplicação se desse forma ampla em relação às demais terras indígenas do Brasil”, afirma Cleber Buzatto, secretário-executivo do Conselho Missionário Indigenista (Cimi).
Não só os advogados dos ruralistas começaram a usar a tese como muitos juízes de primeira instância passaram a adotá-las em suas decisões. “Muitos juízes de primeira instância têm aplicado cegamente o marco temporal e determinando reintegração de posses”, afirma o advogado Luiz Henrique Eloy, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), ele próprio indígena. Eloy ressalta que o marco temporal não é uma tese consolidada no STF, mas, por sua aplicação nas varas de primeira instância, impacta a vida dos povos indígenas.
Na leitura de Eloy, a tese é inconstitucional, na medida em que a Constituição de 1988 reconheceu direitos originários anteriores ao próprio Estado. “Não tem como agora tentar se mitigar, relativizar esses direitos que já foram reconhecidos em sua plenitude”, afirma. “Além do mais, quando a Constituição reconheceu esse direito sobre os territórios tradicionais, ela não trabalhou em nenhum momento com requisitos temporais”, afirma.
Para os indígenas, a questão é crucial, uma vez que a terra representa sua sobrevivência física e cultural. “A terra é a nossa vida, o direito fundamental para a nossa vida, é a nossa mãe. Ninguém negocia a própria mãe. Estamos defendendo o nosso território, o nosso direito sagrado para manter a nossa cultura e a nossa existência”, afirma David Karai Popygua, índio guarani, que vive em uma comunidade no extremo sul de São Paulo.

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