31 maio

Pesquisadoras e pesquisadores da UnB lançam nota em defesa do Quilombo de Mesquita

 

                                                       NOTA EM DEFESA DO QUILOMBO DE MESQUITA

                                                                                    Cidade Ocidental (GO)

Os Laboratórios e Grupos de Pesquisa da Universidade de Brasília, que abaixo assinam, vêm a público manifestar o repúdio à proposição de drástica redução do Quilombo de Mesquita (GO), estabelecida pelo Conselho Diretor do Incra na Resolução nº 12, de 24 de maio de 2018. Pretende-se retirar mais de 80% do território do Quilombo, o que fere os direitos constitucionais das comunidades envolvidas e o imperativo de consulta prévia, livre, informada, estabelecida na Convenção 169 da OIT/1989.

O Território do Quilombo de Mesquita foi reconhecido a partir de estudos técnicos regularmente realizados no processo administrativo Nº 54700.001261/2006-82, conforme Relatório Técnico de Identificação e Delimitação – RTID, Diário Oficial da União – DOU, em 29 de agosto de 2011, página 106, com a área delimitada correspondente a 4.292,8259 ha (quatro mil duzentos e noventa e dois hectares, oitenta e dois ares e cinquenta e nove centiares).  A Comunidade Quilombo Mesquita, desde 2006, é oficialmente reconhecida pela Certidão expedida pela Fundação Cultural Palmares, do Ministério da Cultura.

A Resolução nº 12, de 17 de maio de 2018, publicada no DOU nº 99, de  24 de maio de 2018, contém a deliberação do Conselho Diretor do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que “acolheu” pedido de uma Associação para redução do Território do Quilombo de Mesquita, e condicionou a publicação da correspondente Portaria de reconhecimento e declaração do território do Quilombo à comprovação de que a maioria dos membros apenas da associação tenha aprovado o pedido de redução do território.

No caso ora em questão referente à Comunidade Quilombola de Mesquita, há um severo impacto no que se refere ao direito ao território tradicional da comunidade. Ante as exigências da Convenção 169 da OIT (1989), acerca do direito dos povos e comunidades de conhecer e participar das decisões que impactem suas vidas, deve-se questionar se realmente a dimensão da participação da Comunidade Quilombola de Mesquita como um todo foi garantida e se foi realizada ou se será realizada de modo adequado.

Tal Resolução abre precedente perigoso, pois fragiliza a aplicação e o cumprimento do disposto no Decreto nº 4.887/2003 para a delimitação e demarcação dos territórios quilombolas, pois desconsidera os estudos técnicos, afasta a segurança jurídica e deslegitima a pretensão da comunidade para a titulação do território no marco da reparação histórica e das expropriações e violações sofridas pelo povo negro.

Nesse sentido, seria possível determinar a segurança desse processo de “comprovação” de uma “eventual” consulta para validar a pretendida redução?

É largamente sabida a pressão da especulação imobiliária sobre a área do quilombo de Mesquita, situado na Cidade Ocidental, em Goiás. A quase totalidade da área beneficiada com a decisão da Resolução nº 12 do INCRA é da Divitex Pericumã Empreendimentos Imobiliários. Dentre os sócios da Divitex Pericumã está José Sarney e o senador Eliseu Rezende, do Partido Democratas de Minas Gerais, e do empresário Giovani Morais, conforme destaca matéria jornalística sobre o caso[1] e outras matérias sobre a empresa[2].

O quilombo de Mesquita está situado em uma das maiores regiões metropolitanas do Brasil, compondo a mais populosa “Rede Integrada de Desenvolvimento”[3], integrada por 19 municípios goianos, 03 mineiros e o Distrito Federal[4].

Não é desconhecido o forte lobby para a expropriação de grande parte do legítimo território do Quilombo de Mesquita, por políticos locais, da esfera federal, e por interesses empresariais abusivos, o que gera perseguição moral e ameaças de morte às lideranças do Quilombo. Muitas das ameaças de morte recebidas pelas lideranças da comunidade já foram denunciadas a instâncias do Poder Público, como as Comissões de Direitos Humanos do Congresso Nacional[5].

No contexto de risco de vida e de violação continuada dos direitos humanos da comunidade quilombola e de seus representantes, qualquer situação envolvendo suposto pedido para redução do território deve ser investigada e levada em conta, principalmente pela Fundação Cultural Palmares, cuja missão é assegurar a plena realização dos direitos culturais e territoriais das comunidades de Quilombo. De acordo com o Decreto 4887/2003, a Fundação Cultural Palmares deverá garantir a assistência jurídica, em todos os graus, aos remanescentes das comunidades dos quilombos para defesa da posse contra esbulhos e turbações, para a proteção da integridade territorial da área delimitada.

O direito ao território das comunidades quilombolas é um direito fundamental. Uma vez cumpridas as exigências legais e socioantropológicas, tendo sido delimitada a área com a fixação dos marcos georreferenciais no relatório, não é juridicamente válida qualquer medida tendente a reduzir ou eliminar esse direito. Trata-se de direito irrenunciável. O Conselho Diretor do INCRA sequer poderia ter recebido o pedido para redução da área, quanto mais, julgar pelo acolhimento deste pedido, por não estar revestido de validade jurídica ou técnica. Ao tomar qualquer medida oficial sobre o território, a comunidade tem direito à Consulta Prévia, livre e informada, com ampla participação e legitimidade. A Resolução nº 12 do INCRA não apresentou de forma cabível a aplicação do direito à Consulta para Comunidade de forma ampla.

Dado o exposto, os Laboratórios e Grupos de Pesquisa, aqui representados por seus pesquisadores e suas pesquisadoras, pedem a revisão do Ato, para que haja sua imediata revogação, com vistas à efetiva garantia dos Direitos Constitucionalmente estabelecidos para os territórios tradicionais das Comunidades Quilombolas.
Assinam a presente nota os seguintes Laboratórios e Grupos de Pesquisa:

LABORATÓRIO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM MOVIMENTOS INDÍGENAS, POLÍTICAS INDIGENISTAS E INDIGENISMO (LAEPI/UnB), do Departamento de Estudos Latino-Americanos (ELA/UnB).

LABORATÓRIO DE ANTROPOLOGIAS DA T/TERRA (T/TERRA), do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Departamento de Antropologia (PPGAS-DAN/UnB).

GRUPO DE PESQUISA EM DIREITOS ÉTNICOS E ESCRITÓRIO JURÍDICO PARA A DIVERSIDADE ÉTNICA E CULTURAL (MOITARA/JUSDIV), da Faculdade de Direito da Universidade de Brasilia.

NÚCLEO DE ESTUDOS AFRO BRASILEIROS (NEAB/UnB), vinculado ao Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (CEAM/UnB).

LABORATÓRIO E GRUPO DE ESTUDOS EM RELAÇÕES INTERÉTNICAS (LAGERI), do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília.

OBSERVATÓRIO DOS DIREITOS INDÍGENAS E POLÍTICAS INDIGENISTAS E ESCRITÓRIO SOCIO-ANTROPOLÓGICO PARA A DIVERSIDADE ÉTNICA E CULTURAL (OBIND/EDIV), do Departamento de Estudos Latino-americanos da Universidade de Brasilia.

GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISA EM POLÍTICAS PÚBLICAS, HISTÓRIA, EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES RACIAIS E DE GÊNERO (GEPPHERG/UnB), da Faculdade de Educação / Universidade de Brasília (FE/UnB).

NÚCLEO DE ESTUDOS EM CULTURA JURÍDICA E ATLÂNTICO NEGRO (MARÉ), da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.

INSTITUTO DE INCLUSÃO NO ENSINO SUPERIOR E NA PESQUISA, Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do CNPq, Universidade de Brasília.

LABORATÓRIO DE VIVÊNCIAS E REFLEXÕS ANTROPOLÓGICAS: DIREITOS, POLÍTICAS E ESTILOS DE VIDA (LAVIVER), do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Departamento de Antropologia (PPGAS-DAN/UnB).

 

LABORATÓRIO DE SOCIOLOGIA NÃO-EXEMPLAR, do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (SOL/UnB)

 

LABORATÓRIO DE ANTROPOLOGIA DA CIÊNCIA E DA TÉCNICA (LACT-UnB), do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Departamento de Antropologia (PPGAS-DAN/UnB).

 

MESTRADO EM SUSTENTABILIDADE JUNTO A POVOS E TERRITÓRIOS TRADICIONAIS (MESPT), da Universidade de Brasília.

[1]  Matéria jornalística disponível em: https://blogs.oglobo.globo.com/lauro-jardim/post/governo-reduz-territorio-quilombola-em-823-e-beneficia-empresa-de-sarney.html

[2]  Disponível em: https://t.co/bqv7D8s9kL

[3] Fonte: http://sudeco.gov.br/municipios-ride-df

[4] Fonte: https://quilombomesquitadotcom2.wordpress.com/localizacao-e-territorialidade/

[5] Uma das denúncias feitas pelas lideranças sobre as frequentes ameaças de morte foi recebida pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmra dos Deputados: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITOS-HUMANOS/195944-REPRESENTANTE-DE-COMUNIDADE-QUILOMBOLA-DENUNCIA-AMEACA-DE-MORTE.html

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