Para atender José Sarney, Incra viola direitos de quilombolas

* Por Givânia Maria da Silva
Instituto reduziu em 82% território quilombola em Goiás após influência do deputado Jovair Arantes, tio de um diretor do Incra

A titulação das comunidades quilombolas é um processo longo, moroso e ainda enfrenta muitas dificuldades, inclusive a pressão de políticos, partidos, mineradoras, madeireiras, hidrelétricas, monoculturas, bases militares entre outras. Este é o caso do quilombo de Mesquita, em Cidade Ocidental (GO), cidade do entorno do Distrito Federal. Lá, uma região que tem sido valorizada pelo mercado imobiliário, a comunidade sofre com a pressão do deputado federal Jovair Arantes (PTB-GO), para beneficiar  José Sarney (MDB-MA).

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ignorou a legislação e reduziu de forma ilegal o território quilombola de Mesquita de 4,3 mil hectares para cerca de 700 hectares. Ou seja, de forma arbitrária, reduziu em 82% a área do território. Essa decisão é um flagrante desrespeito a Constituição Federal de 1988, a Convenção 169 da OIT e a regras internas do instituto sobre titulação quilombola.

De acordo com o jornal O Globo, a decisão do Incra aconteceu após intenso lobby de Jovair Arantes, notório deputado federal e um dos “donos” do PTB. Seu sobrinho, Rogério, é diretor do Incra. E o terreno pertence a quem? A quase totalidade da área beneficiada com a decisão é da Divitex Pericumã Empreendimentos Imobiliários, que tem José Sarney entre os seus sócios.

Uma intervenção política absurda, de um verdadeiro Estado de Exceção, que aprofunda o estado de golpe que vive o País. Quem sofre diretamente os efeitos dessa medida que expõe o vergonhoso racismo institucional que marca a questão da terra no Brasil são os quilombolas de Mesquita, a quem o Incra impôs prejuízos graves para a sobrevivência da comunidade.

Foi somente com a Constituição Federal de 1988, pelos artigos 215, 216 e o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que os quilombolas foram reconhecidos como sujeitos de direitos.

A partir de então, as comunidades remanescentes de quilombos puderem pleitear a titulação de suas terras. Nesse ano, em 08 de fevereiro de 2018, após 14 anos de tramitação no Supremo Tribunal Federal, caiu a Ação Direita de Inconstitucional Transitória nº 3239/04 em que o DEM pedia a anulação dos procedimentos de regularização dos territórios quilombolas baseado no decreto 4887/03.

Se não bastasse a diminuição do orçamento da autarquia para ação de regularização fundiária na ordem de 96%, do desmantelamento da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, que passou a ter um papel figurante e não mais como órgão coordenador das políticas públicas para a população negra, da destruição do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e da Ouvidoria Agrária Nacional do MDA, que atuava na mediação de conflitos no campo, o governo federal desrespeita abertamente as legislações vigentes a favor de políticos golpistas.

No caso do quilombo de Mesquita, a direção do Incra agiu de má fé, inclusive tramitando a documentação por fora da área técnica competente e sem a procuradoria do INCRA emitir seu parecer, cabendo responsabilidades administrativas por isso.

“É difícil acreditar que tudo o que aconteceu com o quilombo de Mesquita a procuradoria geral do INCRA não soube e não viu. Ou o procurador não cumpre seu papel que é de cuidar da lisura dos processos, ou sabia e não fez nada para defender os ritos dos processos e com isso coordenador geral de regularização fundiária agiu como Capitão do Mato para atender aos políticos”, diz uma liderança quilombola da comunidade, que pede para não ter seu nome divulgado por estar ameaçada de morte.

O fato é que os direitos dos quilombolas estão sendo violados a olhos nus. Direitos territoriais e integridade física na mira dos novos capitães do mato.

A Coordenação Nacional de Articulação das comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), entidade representativa das comunidades quilombolas e da qual eu sou uma das fundadoras, protestou e manifestou sua indignação por meio de carta pública assinada por várias entidades de defesa dos direitos humanos.

Ainda, a Conaq informou que vai recorrer da decisão ao Ministério Público Federal e aos organismos internacionais, pois teme que essa prática se repita com outras comunidades.

Além desse abuso de poder, o Incra ainda montou como justificativa um palanque eleitoral no quilombo de Kalunga (Goiás) para agradar a poderosa família Arantes, do deputado Jovair, responsável pelo famigerado parecer para a cassação da presidente Dilma Rousseff. E também para favorecer José Sarney, acusado de grilagem de terras no Maranhão, que se diz dono de terras no quilombo de Mesquita, parte destas sem registros em cartório.

Na Década Internacional de Afrodescendentes declarada pela ONU, durante semana da IV Conferencia de Promoção da Igualdade Racial e dos 130 anos do evento mais enganoso da história do Brasil que foi a abolição da escravatura, o INCRA atua para favorecer os descendentes dos escravocratas.

Não é difícil perceber a serviço de quem o Incra está. Para responder às indicações dos cargos de Coordenador Geral de Regularização Fundiária, do Diretor de Ordenamento da Estrutura Fundiária – sobrinho do deputado federal Jovair Arantes – e do presidente do Incra, leis são burladas e os direitos dos quilombolas violados flagrantemente. O golpe de 1888 se reproduz no golpe de 2016.

* Integra a Coordenação Nacional de Articulação das comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), é mestre em políticas públicas e gestão da educação (UNB) e doutoranda em sociologia (UNB).

** Texto original publicado no site da Carta Capital em 28 de maio de 2018.

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