27 jun

O genocídio da população negra

Por Cleverson Oliveira

Foto: Arquivo pessoal

Esse texto se trata do desabafo de um homem PRETO quilombola de 27 anos, estudante de Sistemas de Informação – TI na Universidade Federal de Goiás – UFG, que diante do atual cenário do Brasil, está inconformado com tantas atrocidades que ferem a população NEGRA.

Escrevo esse texto sem saber a hora de parar, e muito menos aonde vou chegar com esse desabafo.

Tudo começou na madrugada do dia 18 de junho de 2020, às 01:54 AM. Estava deitado ao lado da minha linda esposa Aline Oliveira, na qual já temos os sobrenomes semelhantes, oriundo da colonização portuguesa, e mesmo se não o tivéssemos, não iríamos mudar. Segundo ela, “mudar o nome quando se casa é extremamente machista”. Eu estava tentando pegar no sono, mas havia algo me incomodando, as cenas de violências policiais contra a população Negra me tiram o sono.

Vivemos em um país em que a desigualdade é escancarada e algumas pessoas brancas simplesmente fecham os olhos para tal situação,  se negam a ver os privilégios BRANCO,  digo: ter os melhores salários, as melhores oportunidades, o privilégio de ir e vir sem se preocupar com a violência policial, ter o privilégio de ir ao shopping de chinelo, ter o privilégio de correr na rua sem ser confundido com bandido, ter o privilégio de andar com saco de pipoca sem ser confundido com saco de drogas ou tomar um tiro por simplesmente portar um guarda-chuva e ser confundido com fuzil.

Vocês já devem ter entendido os privilégios que os brancos têm e que são negados aos negros. Isso tudo é privilégio, mas os brancos, em sua maioria, não veem. Essas situações podem parecer simples, e podem achar que nós Pretos temos os mesmos direitos que os brancos . Sinto muito em desapontar, mas não temos. Não são todos os cidadãos que praticam os mesmos direitos. Preto correndo na rua é bandido, Preto parado é suspeito. Sempre termina com preconceito, racismo, Preto sendo morto por policiais, o braço armado do estado. O Brasil é desigual. O Brasil é violento com a população Negra. A falta de empatia por partes das autoridades está muito óbvia no dia-a-dia. Exercemos nossos direitos conforme a lei? Todos têm os mesmos direitos?

Citei alguns privilégios que os Brancos possuem nessa vida. Vocês devem estarem se questionando: o quê esse cara quer dizer? Os negros têm um tanto de privilégios, veja as cotas em Universidades e concursos. “As cotas são um sistema mais racista ainda, elas afirmam que os Pretos são burros, que os Pretos são incapazes”. Essas são frases de muitos brancos, e não só dos brancos, existem muitos pretos que reproduzem esse mesmo discurso. Segundo o presidente da Fundação Cultural Palmares, “Cotas para negros precisam acabar! Além de estimular a fraude racial, ignoram o mérito, desrespeitam o princípio da igualdade, geram ressentimento e alimentam o racismo”. Vamos entender um pouco mais.

Entro agora em um assunto que eu não vi nas aulas de história e acredito que a maioria da população também não.

No desenrolar da história posso apontar o dedo para: a princesa Isabel que “aboliu” a escravidão por “bondade e pena”. Essa é a mulher que minha vó, Sebastiana Geralda Ribeira da Silva, dona Tiana, como era conhecida e que agora descansa no Orum, tanto odiava em sua vida. Para muitos, a princesa Isabel foi uma deusa, uma libertadora, uma heroína que acabou com a escravidão do Brasil:

_“Oh… que mulher boa !”.

Vou fazer um pequeno resumo do que foi a escravidão aqui no Brasil e como os negros escravizados ficaram depois da Lei Áurea.

Durante 300 anos de escravidão no Brasil  – de 1550 até 1888 – foram dias e noites de muito sofrimento, choro e muita dor. Dor na alma e na pele. No ano de 1888, chegou ao fim a escravidão negra no Brasil, a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, que culminou o fim da escravidão. O processo da assinatura não foi de um dia para o outro, tão pouco um processo simples e fácil. Por muita pressão dos ingleses, a Inglaterra teve uma importância significativa para o Brasil abolir a escravidão. Mas qual seria o interesse da Inglaterra em acabar com a escravidão no Brasil?
De acordo com Multirio: Certamente não apenas a pressão da opinião pública ou razões puramente humanitárias.
Como o próprio Canning mencionava em seus despachos, havia importantes interesses econômicos. A proibição inglesa do tráfico de escravos para suas colônias nas Antilhas – produtoras de açúcar – ocasionou a diminuição da mão-de-obra e, consequentemente, o encarecimento do açúcar ali produzido. O açúcar do Brasil, beneficiado pela manutenção do tráfico e pelo uso da mão-de-obra escrava, obteria preços mais baixos no comércio internacional e
as colônias inglesas seriam prejudicadas. (cf. a informação aqui) Acessado em 06/2020.

Sob muita pressão, a Lei Áurea foi assinada e perante a “LEI”, todos são iguais, será? O Brasil, na teoria acabou com a escravidão, mas o que os escravizados fizeram depois de se tornarem “livres”? A escravidão acabou mesmo ou estamos em uma escravidão moderna e não estamos vendo? São perguntas interessantes a se fazer.

Mas, para princesa Isabel e várias outras pessoas, não tem mais escravidão no Brasil e nem trabalho escravo. “ta okay”? Não.

A escravidão “acabou”, todos são iguais perante a lei, agora é só festa, Não! A realidade do fim da escravidão veio no dia seguinte, o 14 de maio. Os escravizados apenas foram libertos de um trabalho forçado. Essa liberdade disfarçada não veio com reparação histórica, não veio com garantias que aqueles negros escravizados, iriam ser aceitos pela sociedade e inseridos no mercado de trabalho. Essas vidas negras, passaram dias difíceis, afinal, todos precisamos comer, beber, ter um teto e um emprego para sobreviver, certo? Sim, mas essas vidas negras não tinham nada. Eles foram abandonados à própria sorte. Nesse novo cenário se iniciou a marginalização e a periferização do povo RETO.

Uma população que foi sequestrada do continente africano, escravizada e depois jogada à própria sorte aqui no Brasil. O que restou para esse povo? Como eles sobreviveriam sem (condições de suprir) as necessidades básicas? A princesinha “Áurea” que era tão boa e sensata, deixou esses Negros sem acesso à terra e sem qualquer tipo de indenização por tanto tempo de trabalhos forçados, muitos ainda não sabiam falar Português, eles foram vítimas de todo tipo de preconceito e racismo impregnado na sociedade, muitos ex-escravizados permaneceram nas fazendas em que trabalhavam, vendendo seu trabalho em troca da sobrevivência. Aos negros que migraram para as cidades, só restaram os subempregos, a economia informal e o artesanato.

Com isso, aumentou de modo significativo o número de subempregos sem qualquer tipo de assistência e garantias; muitas ex-escravizadas foram estupradas durante a escravidão pelos seus patrões e filhos de patrões, elas foram tratadas como prostitutas, quando foram “ libertadas” da escravidão.

Após o fim da escravidão, os brasileiros começaram a contratar mão de obra europeia para embranquecer a sociedade brasileira.

Muitos negros moravam em lugares bem precários, e até hoje isso é uma realidade das famílias brasileiras, não só dos Negros. Esses lugares são conhecidos por muitos como: favelas, comunidade carente ou zona periférica. O preconceito, discriminação racial e a ideia permanente de que o negro só servia/serve para serviços pesados, deixaram sequelas desde a abolição da escravidão até os dias atuais, a sociedade brasileira deixa bem nítida essa triste realidade. Ao invés de contratar os negros, eles preferiram contratar mão de obra europeia. Para muitos,
restaram a criminalidade, por falta de oportunidade. Emprego estava escasso? Não. Como eu citei, eles queriam embranquecer a sociedade. Essa falta de oportunidade para muitos negros restou a criminalidade, na qual, nós vemos um reflexo muito grande até hoje na sociedade brasileira.

Quero falar um pouco do que vivemos hoje. Para isso vou fazer uma leve explicação do que é NECROPOLÍTICA. Essa palavra pode ser nova e para mim, é.

NECROPOLÍTICA, aborda o limite do poder que o Estado tem sobre sua população, ou seja, o Estado brasileiro está com o poder de decidir quem deve viver ou morrer (Mbembe, A. 2003). Essa é a medida adotada pelas polícias militares do Brasil. Nos últimos anos, estamos vendo essa necropolítica sendo praticada a cada operação realizada em uma comunidade dos estados brasileiros. A polícia está escolhendo quem vive e quem morre porque tem o poder nas mãos. Ela tem um alvo. O alvo sou eu, homem PRETO. O alvo, é a pele PRETA, seja homem ou mulher. A cor PRETA, é a cor inimiga do Estado, qualquer pessoa de pele PRETA é um alvo que pode ser abatido. É apenas mais um PRETO que a polícia matou, sou apenas mais um PRETO para as estatísticas.

Afinal, o Estado quer acabar com a criminalidade ou com a população PRETA?

O atual Presidente da República, propôs um Projeto de Lei para deixar expresso no Código de Processo Penal e Código de Processo Penal Militar que policiais não poderiam serem presos em flagrante caso matasse civis em supostos confrontos. Essa é uma realidade que vivenciamos e que está sendo praticado a risca pelo governo. Quantos jovens negros morreram e até hoje não tivemos respostas? Nós sabemos quem mata e sabemos de qual arma saiu o tiro, mas, para o Estado, eles precisam investigar, ou melhor, precisam enrolar a população para não punir o policial responsável pelo disparo.

Vou ficando por aqui.

Antes, deixo uma pequena homenagem relembrando alguns nomes das vítimas desse governo genocida. Ágatha Felix, João Pedro, Mattos, Kauê Ribeiro dos Santos, Kauã Rozário, Kauan Peixoto, Jenifer Cilene Gomes, Marielle Franco, PRESENTE!

Referências
MBEMBÉ, J.-A .; MEINTJES, Libby. Necropolítica. Cultura pública , v. 15, n. 1, p. 11 40, 2003.
PREFEITURA RIO DE JANEIRO. Pressão Inglesa Para o Fim do Tráfico Negreiro. Disponível em: <http://www.multirio.rj.gov.br/historia/modulo02/pressao_inglesa.html >. Acessado em 06/2020.

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