15 maio

Nota de Repúdio

A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ, fundada em 12 DE MAIO DE 1996, no Quilombo de Rio das Rãs, na Cidade de Bom Jesus da Lapa, Bahia, vem por meio desta, repudiar veementemente, publicação feita no site da Fundação Cultural Palmares, em comemoração ao dia 13 de maio. As manifestações ofendem a imagem de pessoas que desempenharam papel importe na resistência e luta histórica contra o processo de escravização de pessoas negras no Brasil.

Causa indignação a postagem, no site de um órgão que foi erguido nos pilares dos movimentos negro e quilombola, que reconhecem em Zumbi um dos principais expoentes da luta e resistência contra o sistema escravocrata do país. Infelizmente, não nos surpreende, o Brasil foi um dos últimos países a abolir formalmente a escravidão no mundo, em que os negros escravizados sequer eram considerados pessoas, sendo objetificados, superexplorados, violentados, oprimidos e assassinados em massa.

De fato, a grande diáspora forçada que originou a escravidão no Brasil teve como consequência um verdadeiro genocídio da população negra. Ademais, é imperioso notar que, para o povo quilombola, o dia 13 de maio significou apenas a formalização de um ato que resultou em um processo de abolição mal feito, sendo possível considerar que de fato nunca ocorreu. Isso porque a população negra continua sendo escravizada por um Estado e uma sociedade racistas, que ainda direciona à essa população apenas políticas punitivas.

Assim, o ato formal de abolição da escravatura significou também, o início de uma nova jornada do povo negro e aquilombado, pela sobrevivência, perseguindo a tão necessária reparação histórica, que o Estado insiste em negar.

Hoje, apesar dos mais de 300 anos de escravidão, demos passos importantes na busca por igualdade e direitos. Mas esses direitos e políticas foram conquistados com efetiva luta social, política e grande força de mobilização do movimento quilombola em busca de promoção de igualde para quilombolas em um país desigual e racista.

É preciso assumir que o racismo estrutura persiste nas nossas relações sociais no Brasil, e que é urgente e necessário o fortalecimento e a consolidação de políticas públicas específicas para os quilombolas. Esse dever do Estado foi reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) em relação ao Brasil e em Assembleia Geral, por meio da Resolução nº 68/237, de 2 de dezembro de 2013, proclamou-se a Década Internacional de Afrodescendentes, com início em 1º de janeiro de 2015 e fim em 31 de dezembro de 2024.

O conteúdo levado ao site da Fundação Cultural Palmares não nos surpreende, diante de um Estado racista e um governo fascista e genocida, que normaliza a escravidão e profere discursos de ódio contra o povo quilombola, usando a estrutura do Estado (inclusive o poder judiciário) para legitimar essas práticas racistas. Trata-se de situação gravíssima, autoridades públicas contribuindo para a naturalização da violência contra as comunidades quilombolas no Brasil, contribuindo para o aumento da vulnerabilidade de uma população historicamente atingida pelo racismo estrutural e a falta de direitos básicos.

A Fundação Cultural Palmares foi usurpada da população para a qual foi criada, desvia e se afasta das importantes e fundamentais atribuições que assumiu desde a sua criação no ano de 1988, logo após o processo constituinte formal. Verificamos agora o afastamento da FCP em relação aos interesses dos quilombos, o que demonstra o nível de racismo e de assalto ao patrimônio do povo perpetuado pelo governo de Jair Bolsonaro, o Messias do poder, que só se preocupa em proteger os crime e ilegalidades de sua família. A Fundação Cultural Palmares era patrimônio de toda sociedade brasileira, mas sobretudo dos quilombos, posto que traduzia, ainda que de forma precária, compromissos com mais igualdade, direitos e dignidade para a população negra quilombola.

Se o paradigma do Estado Democrático de Direito ainda nos interessa e pode nos levar a caminhos melhores enquanto sociedade, então, os quilombos esperam que esse Estado reconheça as desigualdades sociais e atue na reparação das violações de direitos humanos dessa população, que sofre violências de todas as ordens. Espera-se que sejam estabelecidas políticas públicas eficazes de combate ao racismo, à discriminação e que proteja os direitos das populações mais vulneráveis, sobretudo em um contexto de acirramento de conflitos e aumento de assassinato de quilombolas no país.

Nós quilombolas exigimos do Estado brasileiro, através de todos os seus poderes (executivo, legislativo e judiciário), respeito a direitos e políticas públicas de combate à violência e discriminação contra os povos quilombolas no país.

 

Racistas, não passarão!

Quilombo de Palmares Vive!

Zumbi dos Palmares, presente!

 

Brasília, 14 de maio de 2020

COORDENAÇÃO NACIONAL DE ARTICULAÇÃO DAS COMUNIDADES NEGRAS RURAIS QUILOMBOLAS – CONAQ

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