08 mar

Mulheres quilombolas x COVID-19

 

 

Por Jéssica Albuquerque

A pandemia de COVID-19 enfrentada pelo mundo nos últimos meses, tem aberto diversas lacunas para além da crise instalada diante do isolamento social, das medidas restritivas, do alto risco de contágio pela doença e das taxas elevadas de mortalidade pelo coronavírus.

Vimo-nos em um cenário que dispensa padronização ou seleção de gênero, raça ou religião, onde a presença feminina se impõe enquanto liderança, persistência e resistência quanto ao enfrentamento à Covid-19 em territórios quilombolas. Paralelo a isso, vê-se um engajamento social tendo a mulher como referência e poder de decisão, uma vez que, sua representatividade está refletida na voz, no comportamento, nas atitudes.

“É um impacto grande, a perda por um vírus que não sabemos ao certo, os pais de famílias que se foram deixaram a família sem chão e sem falar na situação financeira, a dificuldade é grande. A articulação ficou enfraquecida com a morte de dona Úia, minha tia. Estamos tristes e sem apoio do poder público”, relata Rejane Oliveira, quilombola do território Maria Joaquina no Estado do Rio de Janeiro.

Crivaldina Oliveira da Costa (Dona/Tia Úia), liderança do quilombo Rasa em Armação do Búzios, Rio de Janeiro, foi umas das vítimas da COVID-19 aos 78 anos. Ela partiu em junho de 2020 e deixou um legado de resistência não apenas para os quilombos fluminenses, mas, para todo o Brasil.

Quilombos de Norte a Sul do Brasil sofrem com os danos irreparáveis do avanço da COVID-19. Vidas quilombolas ceifadas pelo vírus e pelo descaso do Estado brasileiro.

 

Organização feminina no combate ao avanço da COVID-19 em territórios quilombolas

 

Em meio ao avanço do coronavírus em territórios quilombolas, a mulher assumiu um papel importante dentro das comunidades, com o intuito de desenvolver estratégias para o fortalecimento das mesmas, foram organizados grupos de pessoas dentro das comunidades, tais iniciativas se tornaram necessárias a partir da expectativa para distribuição da vacina contra a Covid-19, o déficit de um plano nacional de imunização que inclua a população quilombola, além do descaso do poder público em relação à saúde dos quilombolas.

Ademais, a responsabilidade quanto ao monitoramento do coronavírus nos quilombos tem participação ativa das mulheres, estas atuando dentro e fora dos territórios na busca por combater a subnotificação de casos e óbitos dos quilombolas, além dos impasses relacionados ao contato com as comunidades.

 

Mulheres quilombolas no combate à subnotificação dos casos de COVID-19 em territórios quilombolas

 

Desde o início da pandemia de COVID-19 no Brasil, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) tem denunciado a ausência de medidas de mitigação dos impactos da doença entre a população quilombola, por parte do Estado Brasileiro.

Sem resposta, a Conaq estruturou uma equipe de monitoramento dos casos e realiza de maneira autônoma o mapeamento do Coronavírus em territórios quilombolas, em parceira com Instituto Socioambiental (ISA).

Entre as principais dificuldades estão o acesso contínuo aos canais de comunicação usados pela Conaq, que dependem de internet. “Durante esse período de monitoramento da Covid-19 junto às comunidades quilombolas, tive sim dificuldades com a comunicação do retorno das lideranças, pois, ainda temos quilombos que não têm acesso à internet e só tem acesso quando vão à cidade resolver alguns assuntos, assim conseguem repassar para nós as informações” relata Andreia Nazareno, quilombola do Território Sítios Grossos, em Bom Jesus – Rio Grande do Norte, responsável pelo levantamento das informações juntos aos quilombos da Região Nordeste. “A internet não chega e quando tem não é boa a frequência”, complementa.

E nesse processo de adaptação, dado que, as tecnologias têm sido as principais ferramentas para obtenção de notícias relacionadas aos quilombos e a Covid-19, foi necessário traçar métodos que beneficiem ambos os lados, tanto das comunidades, quanto dos monitores

A mesma dificuldade é enfrentada por Lauanda Ferreira Lima quilombola do território Armada 5 Distrito Canguçu, Rio Grande do Sul, que faz o levantamento junto aos territórios quilombolas da Região Sul. “Têm algumas regiões que tenho dificuldade para conseguir informações, mas tento obter de cada comunidade dentro do período mensal. Alguns respondem no ato, outros tenho que insistir muito, mas na medida do possível alguns respondem”, relata Lima.

À vista disso, é visível que o empoderamento feminino está remodelando e desconstruindo uma sociedade ainda em processo de aprendizado, onde a mulher ainda assume inúmeros papéis, mas ao mesmo tempo evidencia a pluralidade feminina, onde a mesma não se limita apenas aos estereótipos atribuídos a elas por uma sociedade histórica e perpetuamente machista.

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