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Jovem quilombola do interior de Goiás é aprovado em medicina

Thyago Aguiar/Fundação Palmares

Thyago Aguiar/Fundação Palmares

Com apenas 18 anos, André Alvinco estudará na Universidade Federal do Pampa. Depois de formado, pretende voltar à comunidade onde cresceu para fazer atendimento.

Com apenas 18 anos, André Alvinco Ferreira Pinto se tornou calouro do curso de medicina da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), no Rio Grande do Sul. Passar no vestibular de uma instituição de ensino pública já é um desafio e tanto — para quem quer se tornar médico, então, a concorrência é ainda mais acirrada. A conquista de André chama ainda mais atenção porque ele é quilombola: nasceu e cresceu na comunidade Flores Velhas, localizada na cidade de Flores de Goiás (GO), distante cerca de 310km de Brasília. A vida toda foi aluno da rede pública e, no último ano do ensino médio, em 2017, foi morar com uma tia para estudar em Formosa (GO), procurando ter acesso à educação de melhor qualidade. “As escolas públicas no Brasil são precárias”, observa. Portanto, ele sabe que ir além depende de esforço. “Minha mãe sempre me incentivou a estudar. Mas não adianta só isso: é preciso ter equilíbrio, a gente tem que ter um momento de descontração, eu sempre assisti a séries e saía com meus amigos, mesmo estudando de quatro a cinco horas por dia depois da escola”, lembra.

Antes de passar no vestibular da Unipampa (em que tirou 8 pontos num total de 10), André concorreu a processos seletivos da Universidade Federal de Goiás (UFG) e da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Durante o período escolar, André apresentava facilidade em matemática, história e redação; já física era um desafio. Confiança nunca faltou. “Sempre tive fé. Estudei bastante e acredito que quem se dedica consegue tudo o que quer”, ressalta. André decidiu estudar medicina por um motivo nobre. “Minha comunidade carece muito de médicos, então vi que isso poderia ser de grande ajuda”, conta. Assim como os pais, ambos naturais de Flores Velhas, ele pretende retornar ao quilombo após a formatura. “Minha mãe é professora de matemática e meu pai, servidor público dos Correios. Os dois estudaram em Goiânia. Minha mãe começou trabalhando em serviços gerais enquanto fazia a faculdade de administração particular à noite; mais tarde, cursou matemática e voltou para a comunidade para lecionar. Meu pai cursou gestão pública na Universidade Estadual de Goiás (UEG)”, conta.

Passar seis anos longe de casa, porém, não será fácil. “Vou sentir falta dos amigos e da família. Acho que vai demorar para eu conseguir me adaptar porque a cultura é bem diferente”, percebe André, que tem dois irmãos, de 24 e de 10 anos. O mais velho trabalha como eletricista. Os ancestrais de André ajudaram a fundar o quilombo Flores Velhas. “Meus pais estão alegres por eu ter conseguido o curso que eu queria e estão tristes porque eu vou morar longe”, comenta. “Eu me vejo como uma pessoa que saiu de onde ninguém imaginava, que é uma comunidade do interior, sem estrutura nenhuma e que vai se desenvolver em um curso tão concorrido”, comemora. Os planos para depois de se tornar médico são vários. “Quero me especializar em neurocirurgia e trabalhar por seis meses pela organização humanitária Médicos sem Fronteiras em Moçambique porque vejo que as pessoas de lá precisam muito de ajudas como essa”, diz.

Auxílio

Pronto para morar em Uruguaiana (RS), André passou para medicina na Unipampa por meio de uma vaga reservada para cota de quilombolas. Ele lembra que outros moradores da comunidade Flores Velhas conseguiram vagas em cursos concorridos, como engenharia, direito e medicina, por meio de cotas específicas. “É uma questão de corrigir a falha do sistema trabalhista, em que brancos são a maioria dos que conseguem boas posições e melhores condições financeiras”, observa. “Sem as cotas, como um estudante de escola pública do interior, onde não se tem nenhuma condição de estudo ou leitura, concorre com um aluno de escola particular que tem uma base de estudo muito bem estrutura”, questiona. Para conseguir se manter no Sul do país, André deu entrada no pedido de auxílio-permanência do Ministério da Educação (MEC), depois de tirar dúvidas com a Fundação Palmares, instituição pública vinculada ao Ministério da Cultura voltada à promoção da arte e da cultura afro-brasileiras.

Desde 2013, o MEC concede ajuda mensal de R$ 900 para estudantes matriculados em universidades e institutos federais que sejam indígenas ou quilombolas. “Essa bolsa vai me ajudar muito porque, apesar de não precisar pagar pelo curso, os materiais são muito caros”, afirma. “Esse auxílio existe porque essas comunidades, muitas vezes, ficam bem distantes dos grandes centros”, ressalta Ademilton Ferreira, técnico da Fundação Palmares. Para conseguir o recurso, ele explica, é necessário apresentar declarações de que se considera quilombola ou indígena, um documento assinado por líderes da comunidade e comprovante de residência. “Quando o estudante não consegue comprovar que mora lá, a Fundação Palmares emite uma certidão. Desde 2013, já emitimos 340 desse tipo”, explica Ademilton. Ao todo são 3.040 comunidades com certificação de quilombola da fundação, inclusive a Flores Velhas.

*Estagiária sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa

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