27 set

Famílias do quilombo São Pedro, em Eldorado (SP), comemoram título definitivo do território: “Aqui é nosso lugar”

 

Imagem de capa: Moradores da comunidade São Pedro comemoram título do território | Foto: Vaniely dos Anjos França Dias

Por Letícia Queiroz

Moradores da comunidade quilombola São Pedro, em Eldorado (SP), estão comemorando o registro definitivo do território. Após mais de 20 anos de espera, na última sexta-feira (23) a associação recebeu o título no cartório. “Aqui é o nosso lugar”, disse a liderança comunitária Valni de França Dias ao segurar o documento.

Aurico Dias, que é agricultor familiar, líder comunitário e um dos fundadores da associação que lutou pelo documento disse que o título representa conquista após anos de luta. “Eu percebo que é uma resistência, né? É uma liberdade da nossa terra, da nossa conquista. Foram vários anos na luta e agora a gente está tendo a nossa conquista”, disse.

Em 2001 a comunidade garantiu o título da terra, e desde então, aguardava o documento definitivo que atesta a posse do território onde a comunidade se formou há cerca de 190 anos. Ainda em setembro deste ano a associação deu entrada na solicitação do título do território após uma notificação da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (ITESP), que atua nos processos de regularização fundiária.

Dias depois, já com o título nas mãos, a liderança comunitária e fundadora da associação, Elvira Morato, afirmou que a documentação vai beneficiar quem já lutou e viveu no espaço e principalmente as próximas gerações, já que as crianças da comunidade se sentirão mais seguras para viver no território.

“Vai ajudar nossa comunidade, é o futuro das nossas crianças da comunidade. A gente não pode fazer muita coisa, mas está deixando para eles essa confiança. Que eles continuem na luta. Estão crescendo e a gente sabe que vai passando de geração em geração e nós precisamos de segurança para que eles possam viver em cima da terra sem precisar estar saindo dos seus lugares para viver nas grandes cidades”, disse Elvira, que também é agricultora familiar.

Lideranças quilombolas com registro definitivo do território | Foto: Biko Rodrigues/CONAQ

As famílias, que já sofreram ameaças e ataques de invasores por conta de conflito de terras, agora se sentem mais aliviadas. Em 1980, quando a associação de moradores rurais negros foi criada, uma liderança comunitária foi assassinada a tiros e outra foi ferida. Por muitos anos outras ações violentas foram registradas, como a destruição de plantações.

Elvira Morato afirmou ainda que a realidade de luta por registros de territórios é a mesma enfrentada em todas as regiões do Brasil. “Era uma luta travada não só em São Pedro, mas em todas as comunidades quilombolas. Graças a Deus foi mais uma etapa vencida. Hoje temos uma confiança a mais pra acessar as coisas que precisamos para a nossa comunidade. As coisas públicas muitas vezes são negadas”.

As comunidades quilombolas de todo o Brasil estão sofrendo com a burocratização nos processos de demarcação e titulação dos territórios. No dia 30 de agosto o Governo Federal publicou a Instrução Normativa nº 128 que viola os direitos das comunidades quilombolas e inviabiliza a efetivação dos direitos constitucionais das comunidades quilombolas de acesso aos seus territórios históricos e ancestrais. A CONAQ emitiu uma nota de repúdio. Leia aqui a íntegra.

Valni de França Dias, agricultora familiar e liderança comunitária pediu que outras famílias e associações de comunidades quilombolas pelo Brasil não desistam e continuem a lutar pelo território.

“O recado que eu deixo é: Não desistam porque é uma gratidão muito grande a gente poder ter esse direito que a gente sempre teve e foi negado até hoje. E hoje estamos com essa felicidade enorme de estar com o nosso registro da terra na mão. Não percam a esperança porque vocês vão conseguir fazer o registro do seu território para acessar as coisas e poder dizer para seus filhos e netos como eu: isso é nosso. Isso nós conseguimos com luta e vamos poder cultivar, ter tudo que a gente pode conseguir na vida alimentação, as coisas da gente em cima do nosso território. Aqui é o nosso lugar”, desabafou.

Busca por regularização

Comunidade quilombola São Pedro recebe título definitivo do território | Foto: Biko Rodrigues/CONAQ

O quilombo São Pedro se formou há cerca de 190 anos, entre 1825 e 1830. Em 24 de março de 2016 o território foi reconhecido como área quilombola pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), portaria 007.

Já em 2021 o Governo de São Paulo titulou, parcialmente, o quilombo de São Pedro, mas alguns moradores que não pertencem ao quilombo continuaram morando no território e, por causa das matrículas de imóveis (sobrepostas ao território), as famílias quilombolas não conseguiam o registro definitivo.

Consultando advogadas/os, a associação da comunidade continuou em busca do registro.

O ITESP, que atua nos processos de regularização fundiária, providenciou estudo antropológico, mapeou o território e determinou o limite territorial, conforme demanda a Lei ao estado. A área da comunidade corresponde a cerca de 95% de todo o território.

Luiz Ketu, coordenador da Associação Quilombo São Pedro e coordenador do Coletivo de Educação da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), explica que os outros 5% não estão sob domínio da associação e a desapropriação dessa área é responsabilidade do Incra.

Vale destacar que a política de regularização fundiária, cujo INCRA é o responsável pela implementação, está estagnada há anos por falta de orçamento. Muitos quilombos aguardam o atendimento ao pedido de demarcação e titulação, desde 2003. Atualmente o INCRA acumula uma lista de mais de 1.740 pedidos.

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