07 jul

Escola quilombola no PI volta a funcionar após mais de 100 dias de ocupação: “Largamos tudo para lutar por educação”

Unidade escolar foi fechada no início do ano após a comunidade reivindicar melhorias na educação e estudantes foram transferidos pela prefeitura sem diálogo com as famílias. Quilombolas ficaram quase quatro meses acampadas; entenda.

Por: Letícia Queiroz

A Unidade Escolar Quilombola José Felix de Almeida, no Quilombo dos Macacos, em São Miguel do Tapuio, no Piauí, voltou a funcionar após uma pressão da comunidade quilombola. É que a escola foi fechada no início do ano letivo após as famílias reivindicarem melhorias na educação. Sem diálogo, os/as estudantes foram transferidos/as para escola fora da comunidade. As famílias não aceitaram a situação, que se somou a vários casos de racismo, e fizeram um acampamento para protestar e afirmar a importância do ensino dentro do território. (Relembre o caso abaixo)

“Foram 118 dias de acampamento até a Prefeitura entender que a comunidade tem o direito dela e precisava ser assegurado. Valeu a pena a luta. A escola voltou a funcionar e as crianças estão estudando. Não vão ter férias devido ao atraso”, disse a liderança quilombola Maria Francisca Vieira de Almeida.

A líder disse que apesar da vitória, não foi fácil para a comunidade. “Foram meses de luta, audiências, reuniões e sofrimento. Não foi fácil para mulheres, crianças, idosos acampados todos esses dias. Largamos tudo, todas as atividades no quilombo, para lutar exclusivamente por educação. Para que as crianças cresçam sem ter vergonha da identidade e de falarem que são quilombolas. Isso não seria possível se a comunidade não tivesse resistido com base no conhecimento dos direitos que nós temos”, disse.

A prefeitura ainda se comprometeu em reconhecer a cumprir a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Além retirada ao direito de educação escolar quilombola, a comunidade protestou contra outras ações arbitrárias e racistas que atingiam todo o quilombo.

Maria Francisca informou que além da questão da educação, a prefeitura resolveu outras situações e assinou acordo. Um dos pontos importantes foi dar início à reforma no imóvel onde deve voltar a funcionar atendimento de saúde para a comunidade.

“Está sendo reformada uma casa para a prefeitura alugar e voltar atendimentos dentro do quilombo. Na escola houve a substituição do quadro de funcionários, que tratavam a comunidade com desrespeito e racismo”, disse Maria Francisca.

Givânia Maria da Silva, co-fundadora da Coordenação Nacional de Quilombos (CONAQ) e ativista por educação de qualidade para quilombolas explicou que a situação chegou ao extremo e que os direitos da comunidade, especialmente das crianças, foram violados.

“Os estudantes ficarem 100 dias sem estudar é um absurdo. A gente tem certeza que só foi resolvido o problema porque a comunidade se manteve firme e a história saiu das fronteiras do município, porque o que aconteceu foi uma violação grave do direito básico das crianças que é de ir à escola. Fico feliz que as coisas se organizaram, mas não é possível que a gente tenha que fazer tudo isso para que a gestão faça a sua obrigação, que é garantir escola para que as crianças possam frequentar”, afirmou Givânia.

Entenda

A unidade escolar do quilombo, construída em 2001, deixou de funcionar de acordo com as necessidades da comunidade. No início do ano os pais, mães e responsáveis pelos estudantes pediram melhorias, mas em resposta, e sem nenhum diálogo, a prefeitura fechou a escola do quilombo, resolveu transferir as/os estudantes para outra unidade fora da comunidade e proibiu a realização de aulas na comunidade.

Segundo os moradores, na época o acesso de pais e mães na escola foi proibido e funcionários começaram a fazer comentários racistas e provocações. Além disso, a Secretaria de Educação se negou a colocar o nome “Unidade Escolar Quilombola José Felix de Almeida” – ancião da comunidade -, na fachada da escola.

Até a merenda escolar tinha sido alterada. Os alimentos naturais, como os que são produzidos na comunidade, eram valorizados, e na época do acampamento as crianças lanchavam biscoito com suco, pão, entre outros industrializados.

Sem acordo, no dia 6 de fevereiro deste ano, as famílias decidiram ocupar a escola. A polícia foi enviada à unidade para intimidar e tentar pôr fim à manifestação, mas a comunidade permaneceu na escola por 118 dias, até que houve acordo com a prefeitura e a escola voltasse a funcionar.

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