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Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas denuncia violações ao direito à educação quilombola no Amazonas

Por: Letícia Queiroz

A Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas, projeto realizado pela Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ) com apoio do Fundo Malala, realizou missão no Amazonas no mês de julho. As  alunas e professoras da Escola Nacional denunciaram violações ao direito à educação quilombola no Estado. Durante visitas, foram identificados na região vários problemas, como falta de infraestrutura das escolas, dificuldade de acesso à internet, problemas na distribuição de merenda escolar, falhas na formação de professores e necessidade de aperfeiçoamento do processo de elaboração dos Projetos Político-Pedagógicos das escolas quilombolas. A ação constatou que as situações dificultam o aprendizado de estudantes.

A incidência, que faz parte da campanha nacional por educação de qualidade para meninas quilombolas, ocorreu nos dias 19 e 21 de julho em Barreirinha (AM). A missão foi executada pela CONAQ, junto ao Coletivo de Educação, e em parceria com a Cooperação para o Desenvolvimento dos Países Emergentes (Cospe), com financiamento da União Europeia e com apoio da coordenação estadual da CONAQ no Amazonas e projeto Resistência Quilombola. 

As jovens Emely Rodrigues dos Santos, Silvia da Silva Trindade, Ana Keure de Castro Silva e Adriel Reis Paixão, que moram no Território Quilombola do Andirá e que são alunas/o da Escola Nacional, participaram da missão. Elas mostraram suas realidades, acharam importantes as visitas e disseram que vão compartilhar o aprendizado com as suas comunidades. (Veja os relatos abaixo)

O objetivo foi verificar in loco a situação da oferta de educação para os quilombos do município, além de discutir a implementação da Educação Escolar Quilombola como modalidade de ensino recomendada pelo Ministério da Educação (MEC). Além de visitar as comunidades e as escolas e de ouvir professoras/res, alunas/os e familiares, o grupo esteve com autoridades e instituições como Ministério Público, Defensoria Pública e Secretaria Municipal de Educação para discutir os problemas enfrentados. 


Foto: Nathália Purificação

A prefeitura de Barreirinha apoiou a missão e as lideranças quilombolas perceberam os esforços do Município em realizar melhorias na educação quilombola em Barreirinha. A cidade apresenta potencial para se destacar no Estado do Amazonas pelo compromisso na implementação da Educação Escolar Quilombola.

A missão deixou evidente que a Secretaria Municipal de Educação precisa resolver, com urgência, algumas situações que podem influenciar o nível de aprendizado e a saúde principalmente de crianças e adolescentes.

Aparecida Mendes, coordenadora pedagógica da Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas avaliou a iniciativa como muito importante. “Foi positiva a nossa presença junto com as comunidades quilombolas do Amazonas diante das ações que conseguimos desenvolver lá. Nós percebemos escolas em condições e situações que precisam ser resolvidas com urgência”, disse.

Cida explicou que das 39 meninas e 11 meninos selecionadas/os no projeto, de todas as regiões do país, em 21 estados, a maior dificuldade sempre foi trabalhar com as estudantes do Amazonas por causa da falta de acesso à internet.

 “Ir lá presencialmente foi muito importante pra gente perceber de perto a situação. Também foi uma oportunidade para dialogar, tentar construir parceria com o governo municipal. Esperamos que essa nossa incidência gere um resultado bem positivo. Saímos de lá com documento já encaminhado para a Secretaria de educação e também com compromisso dos gestores das escolas para apoiarem as meninas nos processos de formação”, disse Cida. 

Foto: Nathália Purificação

Tarciara Castro, coordenadora estadual da CONAQ no Amazonas, informou que a visita às escolas e às comunidades foi importante e que toda a população espera melhorias. 

“A gente vê um descaso e condições precárias para ter aula. Ambientes que não são propícios e que acabam prejudicando o aprendizado das crianças e dos professores”, disse.

Após a conclusão, o relatório final da missão será encaminhado para autoridades do executivo municipal e outros responsáveis pelas políticas públicas no município. Saiba quais são os principais problemas:

Falta de Infraestrutura

As situações estruturais das escolas são preocupantes. Por conta da reforma da Escola Municipal Quilombola São Paulo do Açu, estudantes estão tendo aulas em um barracão improvisado. A situação precária deixa os jovens em risco e dificulta o aprendizado.

Em algumas unidades faltam refeitório e as refeições são servidas em locais provisórios, ao ar livre. A maioria das escolas não dispõe de bibliotecas. Em uma comunidade foi verificado que os livros são guardados na cantina junto aos alimentos. Em várias escolas não há instalações adequadas para almoxarifado, despensa e secretaria e todas as funções são exercidas em uma única sala.  

Em outro caso, na Comunidade Quilombola de Trindade, onde há uma escola construída em madeira, uma fossa rudimentar (buraco escavado no chão) era utilizada por estudantes até pouco tempo. As instalações ainda não foram desativadas e podem ocasionar acidentes com as crianças, além da poluição do lençol freático e proliferação de doenças.

As constantes quedas de energia acabam comprometendo a aplicação das aulas mediadas por tecnologia. Além disso, foi observado que apesar das escolas contarem com antenas de internet, algumas não funcionam e não há garantia ampla de acesso de estudantes à internet. Por essas situações, o acesso e o acompanhamento de qualquer atividade virtual ou de ensino à distância ficam comprometidos.

Merenda escolar

A merenda escolar é garantida nas escolas da região, mas nem sempre com qualidade. Durante as visitas foi observado uma discrepância nas entregas dos alimentos industrializados e regionalizados e naturais. Na prática, isso compromete a qualidade da alimentação nas escolas.

Formação de professoras/es

A Escola Nacional constatou que não há preocupação com a formação de professores. Conforme os levantamentos feitos na região, a formação se limita a um evento de compartilhamento de informação realizado no início do ano. No caso da Educação Escolar Quilombola, foi informado à prefeitura sobre a importância de que a formação de professores e professoras abranja, pelo menos, a educação para as relações étnico-raciais, educação antirracista na perspectiva quilombola e métodos e práticas de educação escolar quilombola.

Projeto Político-Pedagógico

O processo de elaboração de propostas curriculares e planos políticos pedagógicos voltados para educação quilombola foi desencadeado pelo município com envolvimento de gestores e educadores das escolas quilombolas. Apesar disso, foi verificado que não houve envolvimento das comunidades, não respeitando o direito à consulta. Conforme o Município, uma das dificuldades para assegurar essa participação foi a pandemia da Covid-19. 

 
Foto: Nathália Purificação

Participação das meninas

As estudantes que participaram da missão em Barreirinha são alunas da Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas. Desde novembro de 2022 o projeto tem contribuído para o protagonismo das meninas de norte a sul do país. Nos encontros virtuais, elas discutem a educação ofertada em suas escolas e se mobilizam para tentar melhorar o ensino nas instituições quilombolas, expondo falhas do Estado e buscando soluções para os problemas que afetam a educação. 

Várias ações já foram realizadas pelas alunas em diferentes partes do país, incluindo outras reuniões com secretários de educação, com o Ministério da Educação, em Brasília e atividade com a ativista paquistanesa Malala Yousafzai, durante visita da nobel da paz ao Brasil. 

Mesmo com dificuldade, jovens da zona rural se esforçam para participar dos encontros online, como é o caso de adolescentes do Amazonas. Conforme as monitoras da Escola Nacional, as estudantes do AM são as que mais têm dificuldade no acesso à internet. Esse foi um dos motivos que levou à missão no Amazonas.

Ana Keure de Castro Silva disse que foi bom participar da ação. “Estou feliz porque conheci várias professoras que vieram. Aprendi muito e vou levar várias coisas para a Escola”, disse. 

“Estou muito feliz em participar dessas reuniões. Aprendi muita coisa, estou muito feliz e é um prazer participar da Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas, da CONAQ, e vou levar muito conhecimento para o meu quilombo”, disse Silvia da Silva Trindade.

“Aprendi bastantes coisas interessantes e vou levar o que aprendi para os meus colegas”, afirmou Emely Rodrigues dos Santos, de 14 anos.

CONAQ Amazonas


A coordenação Estadual da CONAQ no Amazonas, que realiza articulações entre os quilombos do estado desde, participou das ações.

“A missão abriu a mente das pessoas para o entendimento de cobrar direitos dentro do município. Pude perceber que foi impactante, tanto para o poder público quanto para a gente. Ver a CONAQ nas comunidades. Foi positivo ver essa comitiva no estado e ver que o poder público pode entender que estamos na busca por direitos e visibilidade. Agora espero que realmente firmem parceria e lutem por direitos conosco”, disse Tarciara Castro, coordenadora estadual da CONAQ Amazonas.

Sebastião Douglas Castro, coordenador estadual da CONAQ no Amazonas, disse que espera contar com a Prefeitura para assuntos direcionados aos quilombos, principalmente educação.

“A ação foi ótima. As jovens participarem, o pessoal da Escola Nacional, do projeto apoiado pelo Fundo Malala. A gente espera que a Prefeitura se alinhe com a gente. Estamos de portas abertas para que possam direcionar a nossa educação e que as comunidades sejam consultadas antes das decisões”, afirmou o coordenador.

Campanha das meninas da Escola Nacional

A missão no Amazonas é a segunda ação da Campanha Nacional por Educação de Qualidade para Meninas Quilombolas. A campanha foi lançada no dia 21 de junho, data em que se comemora o Dia da Educação Sem Discriminação. 

O primeiro produto da campanha foi um vídeo contendo reivindicações de estudantes que fazem parte do projeto. A primeira exibição presencial aconteceu em Brasília, em um momento conduzido por alunas da Escola Nacional no II Encontro Nacional de Mulheres Quilombolas da CONAQ, que aconteceu entre 14 a 18 de junho de 2023.

Assista ao vídeo clicando aqui –  Vídeo carta das Meninas Quilombolas por Educação  

O principal eixo da campanha são os problemas na educação vividos por meninas quilombolas em todo o Brasil. É que no período escolar básico, a vida de meninas quilombolas é marcada por barreiras que dificultam seriamente a conclusão dos seus estudos. Se quiserem estudar até o final do Ensino Médio, são forçadas a deixar os seus quilombos. 

Outras ações serão realizadas em breve. 

A Escola Nacional

A Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas é uma iniciativa do Coletivo de Educação da CONAQ. O projeto é apoiado pelo Fundo Malala, que incentiva ações de educação com foco em meninas quilombolas, negras e indígenas.

A Escola Nacional conta com 39 meninas e 11 meninos quilombolas de todas as regiões do país em 21 estados. 

A formação é um espaço de estímulo e de luta para meninas e meninos que enfrentam defasagens e desigualdades na educação e sentem-se ainda longe de realizarem o sonho de entrar nas universidades. Nos encontros virtuais do projeto são discutidos temas sobre a história das comunidades quilombolas, necessidade de lutar por direito à educação, questões de gênero, raça e território, combate ao racismo, engajamento na luta política do movimento quilombola, entre outros.

A Escola tem contribuído para erguer a voz das meninas quilombolas em seus territórios e já tem alcançado exemplos de protagonismo de meninas quilombolas na defesa da educação quilombola, da cultura, dos valores e do território.

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