Em ação de reintegração de posse, Estado quer obrigar mais de 300 famílias a deixarem quilombo no Amapá
Famílias da comunidade quilombola Lagoa dos Índios Arco da Ressaca, Macapá, no estado do Amapá, foram surpreendidas nesta semana com uma decisão judicial que ordena a saída de centenas de moradores, incluindo crianças e idosos, do quilombo. Formado em 1918, a comunidade abriga 300 famílias.
Conforme a decisão, as famílias devem deixar o território até o dia 5 de dezembro. Após a emissão do documento os moradores fizeram uma manifestação.
O processo de titulação do território iniciou-se em 2004. Em 2005 a área foi certificada pelo Governo Federal, mas o relatório antropológico só foi concluído em 2017. Durante o período, em 2012, foi ajuizada uma ação de reintegração de posse contra um quilombola da região e as famílias deixaram de se sentir seguras.
Edinelson Agenor Vidal, liderança quilombola e vice-presidente da associação da comunidade, explica que o processo que deixa os moradores em risco já dura 10 anos, sendo que todas as determinações foram anuladas ou suspensas. Em 2020 as famílias foram avisadas que deveriam deixar o território, mas recorreram da determinação como quilombo reconhecido pela Fundação Cultural Palmares e permaneceram no território.
“Nós temos documentos de 1918. Aqui faz parte da Lagoa dos Índios. Ao recorrer como quilombolas e a gente ganhou. Duas reintegrações de posse foram suspensas. Nós temos roça, fazemos farinha. Aqui mora na faixa de 300 famílias, tem bastante pessoas que precisam da terra para sobreviver”, disse.
A determinação de desocupação foi emitida pela 4° Vara Cível da Justiça Estadual do Amapá. Conforme o documento, a desocupação da área quilombola deverá ser feita no prazo máximo de 30 dias corridos.
Na última sexta-feira (11) os moradores fizeram uma manifestação. Com faixas e cartazes, eles protestaram contra a desocupação dos seus lares. “Justiça estadual determina retirada de 3300 famílias e destruição de suas casas em área quilombola”, afirmava um cartaz. Outro tinha escrito: “Proteção aos quilombolas está na constituição”.
Os moradores que vivem no local há muitas décadas dizem que vão continuar lutando pelas moradias. “Vamos procurar justiça. A Justiça federal que deve julgar a causa dos quilombos, e não estadual. Nós vamos vencer, vamos correr atrás”, disse Edinelson Agenor.
O caso é acompanhado pelo advogado Lindoval Rosário.
“A gente está brigando. A Fundação Palmares já entrou no nosso processo de ação anulatória e a gente tem esperança que vai ser revertida. Mas a situação é triste. A comunidade está preocupada. A gente está tentando de todas as formas suspender, mas todos estão apreensivos. Estamos pedindo para que a comunidade seja ouvida”, disse o advogado.
O advogado também lembra que a decisão descumpre critérios sobre despejos e desocupações conforme a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828. Entre as regras estão o acolhimento e a realocação de famílias em vulnerabilidade para moradias dignas.