01 jul

NOTA DE REPÚDIO: COLETIVO NACIONAL DE EDUCAÇÃO

Foi com extrema estranheza que recebemos, por meio das redes sociais, a notícia de que o Conselho Nacional de Educação – CNE publicou Edital de Chamamento colocando em Consulta Pública, via internet, o documento denominado Diretrizes Nacionais Operacionais para Qualidade das Escolas Quilombolas, para ser apreciado pelo coletivo quilombola no período de 25/06/2020 a 02/07/2020, contrariando as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola – DCNEEQ publicadas em 20 de novembro de 2012.

            As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola – DCNEEQ estabeleceram conceitos e definiram políticas para a efetivação da educação escolar quilombola, ouvindo representações e professores(as) quilombolas por meio de audiências públicas em nível regional e nacional.

            As Diretrizes Nacionais Operacionais para Qualidade das Escolas Quilombolas, equivocadamente e impositivamente, apresentam as questões aqui pontuadas:

  1. Não toma inicialmente as DCNEEQ como ponto de partida para dizer em que medida essa operacionalização deverá acontecer. Não deixa explícito qual é o objetivo do documento e tampouco seus desdobramentos;
  2. Desrespeita a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT que trata da consulta e consentimento prévio, livre, informada e boa-fé. Desrespeitando assim a vida de cerca de 6 mil quilombos em todo Brasil;
  3. O documento ignora as organizações quilombolas, que no primeiro encontro dos quilombolas do Brasil, antes mesmo da LDB de 1996, reivindicam: uma educação a adaptada à realidade das comunidades negras rurais quilombolas, com elaboração de material didático específico e a formação e aperfeiçoamento de professores, garantia de salário base nacional de educação para os professores das comunidades negras e a implementação de cursos de alfabetização para adultos nas comunidades negras quilombolas. (Carta do I Primeiro Encontro Nacional de quilombos, Brasília, 1995).
  4. E mais, considerando que vivemos numa sociedade racista, em que os interesses dos grandes proprietários fundiários são exaltados na grande mídia, fazer uma consulta geral contraria as políticas que objetivam gerar consciência hegemônica, desrespeita as comunidades quilombolas e oportuniza a emissão de opinião de racistas contrários aos quilombolas;
  5. O texto padece da mesma miopia do governo de Jair Bolsonaro que tenta excluir parcela significativa da sociedade, e parte do princípio de que todos os sujeitos e sujeitas acessam internet, realidade que não atende às comunidades quilombolas. Por isso, o referido documento não representa os quilombos do Brasil. Colocar um documento que não teve consulta prévia, demonstra como o CNE não tem o interesse que os quilombolas participem;
  6. O documento não faz menção ao Decreto Federal887/2003 uma das normas mais importantes para os quilombolas, já que a educação quilombola tem o território como referência;
  7. O documento traz dados relativamente antigos (2016) sobre o quantitativo de comunidades quilombolas reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares e o quantitativo de escolas quilombolas, visto que tais informação já foram atualizadas durante esse período;
  8. O documento não faz referência a nenhum trabalho/produção acadêmico/científica de pensadores(as) quilombolas, nem mesmo os que apoiaram a construção das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola e, o depoimento mais importante deste documento é o de uma consultora, que não é e nem pesquisa educação quilombola;
  9. Solicitamos a retirada imediata da consulta em questão, seguido da criação de um fórum de debates deliberativo, amplo, democrático e participativo para construir o Plano Operacional para Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola, com a seguinte formatação: representantes do movimento quilombola, pesquisadoras/es quilombolas e outros/as indicados/as pelo próprio movimento, representantes de organizações não governamentais, academia com notórias pesquisas sobre quilombos e que trabalhem com comunidades quilombolas e da ABPN e do CNE.

            Diante do exposto, nós da Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, por meio do Coletivo Nacional de Educação, manifestamos total repúdio ao texto, à metodologia, aos objetivos e ao momento em que o CNE coloca as Diretrizes Nacionais Operacionais para Qualidade das Escolas Quilombolas, pois o contexto de pandemia inviabiliza o diálogo mais amplo entre as comunidades quilombolas.

            Por fim, o documento disponibilizado não traz mecanismos explícitos de efetivação das diretrizes curriculares nacionais para a educação escolar, além de ignorar a trajetória do movimento social quilombola, as lideranças, os pesquisadores(as) e aprofunda o racismo institucional estabelecido pelo Governo Bolsonaro como programa do seu governo.

            A CONAQ lamenta que o CNE, órgão da maior relevância para a educação brasileira, se renda ao autoritarismo do Governo Bolsonaro e siga suas práticas recorrentes em tentar retirar direitos e desrespeitar a Constituição Federal de 1988, pois as alegações apresentadas no texto, tem amparo nos artigos 215 e 216 da referida Constituição e da Convenção 169 da OIT.

 

Brasília, 01 de julho de 2020

COORDENAÇÃO NACIONAL DAS COMUNIDADES NEGRAS RURAIS QUILOMBOLAS COLETIVO NACIONAL DE EDUCAÇÃO – CONAQ

 

Share This