Crivella veta lei que declara Quilombo da Pedra do Sal Patrimônio Imaterial do Rio Especialistas consideram medida uma afronta à cultura e ao movimento negro

O prefeito Marcelo Crivella vetou, nesta quarta-feira, dia 27, o Projeto de Lei nº 346, que declara o Quilombo da Pedra do Sal Patrimônio Cultural Imaterial do Município do Rio de Janeiro. Situado na Zona Portuária do Rio, era ali que escravos africanos descarregavam sal importado de Portugal. Foi naquele local também que nasceu a região da Pequena África, principal reduto da comunidade afro-brasileira no Rio, e onde surgiram e a ainda acontecem diversas manifestações culturais da cidade, como ranchos carnavalescos e o samba.

A medida acirra ainda mais a série de atritos envolvendo o chefe do executivo da cidade e bens imateriais referentes ao movimento negro no município. No ano passado, a prefeitura do Rio e a Secretaria municipal de Cultura suspenderam o patrocínio do Jongo da Serrinha, tombado em 2005 pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) pelos 50 anos dedicados à preservação do jongo como Patrimônio Imaterial do Sudeste. A Casa do Jongo chegou a ficar fechada de janeiro a março por falta de recursos. Além disso, Crivella demorou a renovar o contrato com a Feira das Yabás, que reúne música e culinária Afro, em Oswaldo Cruz, que também ficou temporariamente suspensa.
— Como todas as ações do prefeito, esse veto é uma ação política. Ação que está dando um recado para a sociedade e para a cidade do Rio de Janeiro, que é o de não reconhecimento de algumas histórias sistematicamente silenciadas – comenta a professora do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Faculdade Getúlio Vargas (CPDOC/FVG), Ynaê Lopes dos Santos.
Ynaê destaca que, nos últimos anos, a população negra tem recebido reconhecimentos históricos que, agora, parecem estar sendo desfeitos.
— Num momento em que precisamos de tolerância e de trabalhar com a diversidade, um veto desse reforça apenas uma única forma de contar a história. Começaremos a ver no Rio um processo de destombamento sistemático — avalia.
O Quilombo da Pedra do Sal, junto com o Cais do Valongo, o Cemitério dos Pretos Novos e o armazém Docas Pedro II, fundamentaram a candidatura e o tombamento do sítio Arqueológico Cais do Valongo como Patrimônio Mundial pela Unesco, em 2017. De acordo com o antropólogo e vice-presidente do Comitê Científico Internacional do Projeto Rota de Escravos da Unesco, Milton Guran, a região foi tombada como “sítio de memória sensível”, ressaltando “que o local remete a um fato que a humanidade não aceita que se repita”.
— O valor simbólico da região não reside apenas no fato de por ali terem passado centenas de escravos africanos. O Quilombo representa a resistência da presença africana na cidade. Não estranho que o prefeito se recuse a reconhecer a importância dele porque tenho consciência de que a matriz africana dessa cidade é sistematicamente desconhecida e desprestigiada por ele —pontua Guran.
No veto, o prefeito alega, com base no artigo 141 da Lei Complementar, que a proteção de bens imateriais compete apenas ao Poder Executivo, considerando, por isso, inconstitucional o Projeto de Lei. Autor da proposta, o vereador Fernando William (PDT), questiona a justificativa:
— O que tem ocorrido é que praticamente todos os processos da Câmara dos Vereadores são vetados com base na mesma alegação de que não é competência nossa registros de natureza administrativa. Ou é retaliação, com base nas minhas últimas decisões em votações, ou é um ato incoerente. Não tem sentido você vetar uma área de proteção cultural com base nessa justificativa.
Segundo William, deve voltar para a Câmara em agosto, para que seja mantido ou derrubado em votação.

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*Matéria original publicada no site do Jornal O Globo em 27 de maio de 2018.

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