19 set

CONAQ e organizações sociais brasileiras denunciam à CIDH violações de direitos humanos das comunidades quilombolas pelo Estado

Dirigido a diversos relatores do Organismo, documento destaca o agravamento das realidades das comunidades em razão das medidas do Executivo e Legislativo Federal.

Foto: Arquivo Agência Brasil
Foto: Arquivo Agência Brasil

Na tarde desta terça-feira (18), a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), junto a outras organizações sociais brasileiras, encaminhou uma denúncia para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre o agravamento das realidades das comunidades quilombolas brasileiras como resultado da não titulação das terras tradicionais, intensificação da violência a que as comunidades estão submetidas e o desmonte da já frágil política dirigida a estes povos.

Direcionado para a Relatoria sobre os Direitos dos Afrodescendentes e contra a Discriminação Racial, o documento é dirigido também para as/os relatores sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DESCA) e Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, além da relatora para o Brasil da CIDH, Antonia Urrejola Noguera. É assinado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras, Associação de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais da Bahia (AATR), Centro de Cultura Negra do Maranhão, Clínica de Direitos Humanos do Programa de Pós-Graduação de Direito da Universidade Federal do Pará, Comissão Pastoral da Terra, Comissão Pró Índio de São Paulo, Instituto Socioambiental, Justiça Global, Mariana Crioula – Centro de Assessoria Jurídica Popular, Rede Social de Justiça e Direitos Humanos e pela Terra de Direitos.

A denúncia dá sequência ao conjunto de informes realizados pelas organizações brasileiras junto à CIDH para visibilizar internacionalmente a vulnerabilidade das comunidades quilombolas e pressionar o Estado a apresentar informação e avançar na execução de políticas públicas fundamentais para esta população.  A nova denúncia aponta que desde a realização do Informe de Carta 41, em junho de 2017, realizado pela sociedade civil, e a realização da audiência temática em outubro do mesmo ano sobre “Direito de Acesso à Terra de Pessoas Afrodescendentes Quilombolas no Brasil”, durante sessão da CIDH no Uruguai, “o cenário de retrocessos de direitos para populações quilombolas se intensificou”. O envio do documento também se relaciona à proximidade da reunião de trabalho sobre o tema no próximo dia 2 de outubro, na cidade de Bolder, nos EUA, por ocasião 169ª Período de Sessões da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da qual as entidades participarão.

O documento dá destaque à implementação da Emenda Constitucional 95/2018, que determina o congelamento do orçamento público por vinte anos para áreas como saúde e educação, condicionado apenas à variação da inflação anual, resultado direto no aumento das desigualdades de renda, raça e gênero. “Esta diminuição orçamentária impacta, automaticamente, nas políticas públicas que buscavam garantir os direitos quilombolas. Assim, a proteção de defensoras e defensores de direitos humanos quilombolas, a titulação de terras quilombolas e a permanências de estudantes quilombolas nas Universidades públicas brasileiras, por exemplo, são algumas das políticas que se vêem severamente impactadas com os cortes promovidos pelo governo federal”, destaca o documento.

Cortes nos orçamentos
A diminuição do orçamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), autarquia responsável pela execução da política pública para quilombolas, é exemplar da retração do Estado na garantia de direitos humanos.

O órgão responsável pela titulação teve redução em 2017 em 30% do orçamento total e de 39% do recurso destinado à titulação de áreas quilombolas em relação ao ano anterior. O orçamento para desapropriação de imóveis rurais até abril de 2018 (período de acesso às informações junto ao Incra) foi o menor da série histórica, sendo que representa cerca de 2% da maior dotação orçamentária para essa rubrica. O montante que já alcançou a cifra de R$ 50 milhões foi reduzida a menos de R$1 milhão para o vigente ano.

“As informações sobre o orçamento demonstram que o Estado brasileiro atua de forma seletiva para perpetuar a situação de opressão racial às comunidades quilombolas, pois a destinação insuficiente de verbas irá, sem dúvidas, inviabilizar a efetivação da política”, diz o documento, em outro trecho, sobre a paralização dos processos de titulação das áreas quilombolas. A diminuição do orçamento foi realizada sem consulta livre, prévia e informada, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

Além da diminuição do orçamento, a denúncia ainda relata que o governo federal deixou de dar andamento aos processos que aguardam apenas a edição de decretos de desapropriação e que o Incra tem pressionado comunidades para que aceitem a diminuição nos territórios a serem titulados. O informe cita os casos de Mesquita (GO), Kingoma (BA) como exemplos dessa pressão às comunidades pela autarquia.

Como conquista pontual, o documento relata a vitória no julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239 – que declarou a validade do Decreto 4.887/2003, garantindo, com isso, a titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades quilombolas. Ainda que comemorada pelas organizações, a conquista não tem como consequência imediata a titulação das terras para as comunidades quilombolas, já que depende de orçamento público e fortalecimento das políticas e dos órgãos de atendimento à esta população.

Agravamento social
A diminuição do Estado na execução das políticas públicas tem, de acordo com a denúncia, relação direta com o agravamento dos conflitos no campo. O ano de 2017 apresentou índices recortes de assassinatos em decorrência de conflitos no campo: 71, ao total (Relatório Conflitos no Campo 2018 – CPT).

Outro exemplo da fragilização das comunidades quilombolas é o contexto de desassistência estudantil pelo corte nos investimentos. O governo brasileiro, sob justificativa de equilíbrio das contas públicas, tem ameaçado cortar bolsas estudantis de estudantes indígenas e quilombolas. Em anúncio, o governo informou que deve reduzir de 2.500 beneficiados pela bolsa para 800 estudantes.

Publicação Violência contra quilombos
No próximo dia 25/9, a CONAQ e a Terra de Direitos lançam, em parceria com  o Coletivo de Assessoria Jurídica Joãozinho de Mangal e a Associação de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais da Bahia (AATR), em Brasília, a publicação Racismo e violência contra quilombos no Brasil.

O documento, que integra um conjunto de iniciativas visando à denúncia, visibilização e responsabilização das autoridades públicas a respeito do tema, e será relatado à CIDH, sistematiza violações decorrentes de criminalizações, ataques, ameaças e violências (incluindo assassinatos) entre 2008 e 2017 e suas relações com os quilombos e territórios quilombolas –possibilitando a identificação de estados e regiões atingidos, dos tipos de conflito, dos agentes violadores e das fases do processo de regularização fundiária do território tradicional. Saiba mais.

Solicitações à CIDH
O documento solicita que a CIDH questione oficialmente, com urgência, o Estado brasileiro sobre a titulação das terras quilombolas, em razão da alta vulnerabilidade destes grupos. Também inclui que a Comissão pressione o governo a disponibilizar publicamente informações das ações do Estado para o tema para o próximo período.

Acesse aqui a denúncia entregue à CIDH.

Por Lizely Borges/ Terra de Direitos

Edição: Maria Mello/ Terra de Direitos

Share This