the seventh man essay.

Carioca é acusado de pegar dinheiro de comunidades para representá-las em Brasília – Escudo de Bolsonaro para questões raciais, ‘Paulo Quilombola’ não é reconhecido por entidades

POR JUSSARA SOARES

21/08/2018 11:43 / atualizado 21/08/2018 14:11

 

 

SÃO PAULO – Sempre que é confrontado com a frase “o afrodescente mais leve lá tinha sete arrobas”, que disse em referência a uma comunidade quilombola que visitou no ano passado, o candidato à PresidênciaJair Bolsonaro (PSL) saca como escudo o nome de “Paulo Quilombola”, de quem diz ser amigo. Apontado pelo presidenciável como “chefe dos quilombolas”, Paulo Oliveira, de 56 anos, se apresenta como presidente da Federação das Comunidades Quilombolas e Populações Tradicionais do Pará, fundada por ele em 2016. No entanto, não é reconhecido pelas principais entidades do movimento negro e ainda é acusado de pegar dinheiro de comunidades em troca de supostamente defendê-las em Brasília.

— O Bolsonaro o chama de chefe dos quilombolas, mas não sabemos dizer nem se ele é quilombola. Ele não pode falar por nós. Nós não temos chefe — diz Ronaldo dos Santos, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).

A Fundação Cultural Palmares, órgão federal autorizado a certificar as comunidades remanescentes, também não valida seu trabalho.

— Nós não reconhecemos esse senhor como representante das comunidades quilombolas — diz Leonardo Gomes Santana, coordenador da Fundação Palmares.

Carioca da favela do Rato Molhado, Paulo Oliveira se apresenta ainda como professor de Sociologia formado pela Uerj, funcionário da Funai e representante dos interesses quilombolas no Pará. Ele conta ter começado a atuar nas questões quilobolas em 2013 em Alenquer e Monte Alegre, na região de Santarém. Depois se instalou em Salvaterra, na Ilha do Marajó, município em que há 16 comunidades quilombolas certificadas.

Nessas localidades, Oliveira foi acusado de coletar dinheiro das comunidades sob o pretexto de interceder por elas em Brasília ou em Belém. Pessoas ouvidas pelo GLOBO disseram que ele deixou as cidades às pressas junto com a mulher, Leocionara Silva dos Santos, que se identifica como Narha Oliveira Munduruku, líder de um grupo chamado Mulheres dos Campos e das Florestas.

— Nós, quilombolas do Pacoval e do Baixo Amazonas em nenhum momento nos sentimos representados pelo Paulo Oliveira — diz Edilton Vilhena, da Associação Quilombola do Pacoval, localizada na cidade de Alenquer — O que ele fez por aqui foi tentar roubar comunidades e associações.

— Ele é um impostor. Chegou aqui dizendo que estava ameaçado de morte e depois começou a criar conflitos — diz Valéria Carneiro, coordenadora da promoção da igualdade de gênero da Malungu, entidade que reúne associações quilombolas no Pará.

Nas redes sociais, Paulo Oliveira publica fotos de reuniões e eventos como representante da comunidade quilombola. No início de agosto, divulgou um vídeo gravado em frente à sede das Organizações das Nações Unidas (ONU), em Brasília, dizendo que foi proibido de participar de uma reunião porque declarou apoio a Bolsonaro. Ao GLOBO, o Fundo de População da ONU informou que tratava-se de uma reunião técnica em conjunto com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para discutir a inclusão das comunidades tradicionais quilombolas no próximo CEnso Demográfico em 2020.

“A entrada não foi autorizada porque a pessoa não era convidada oficial para o evento, contrariando as normas de segurança da Casa da ONU em Brasília”, esclareceu a nota.

Em abril, o presidente da Fundação Cultural Palmares, Erivaldo Oliveira, gravou um vídeo desmentindo que Paulo Oliveira havia sido recebido pela entidade. Na oportunidade, o professor teria gravado um vídeo no térreo da fundação.

— Repudiamos com veemência que ele (Paulo Quilombola) utilize do nome Fundação Palmares para tentar se respaldar em algo que ele está completamente desmoralizado.

‘PERSEGUIDO’ POR FAZER DENÚNCIAS

Em entrevista ao GLOBO, Paulo Oliveira diz que está sendo perseguido. Ele fez denúncias ao Ministério Público Federal do Pará, que abriu dois inquéritos para investigar as supostas ameaças. Os inquéritos ainda estão em andamento.

— Estou sendo perseguido porque denuncio entidades que desviam dinheiro do nosso povo — afirmou Oliveira ao GLOBO.

Ele afirma que a sua federação representa 80 comunidades quilombolas. Dessas, 11 pagariam uma anuidade de R$ 600. Além desse valor, Oliveira confirma que pede às comunidades uma “vaquinha” para bancar viagens dele, de sua mulher, um advogado e um outro assessor.

— Se dependêssemos só deles (das comunidades quilombolas) íamos passar dificuldades, mas temos ajuda de um amigo que nos empresta uma casa em Brasília — disse Oliveira.

Segundo ele, caso algum projeto seja aprovado, aí ele pedirá para a comunidade quitar a diferença dos gastos — “uns R$ 3 mil ou R$ 4 mil” — com suas viagens.

— Eles não têm obrigação de pagar, mas de contribuir.

Antes de declarar apoio a Bolsonaro, Paulo foi diretor do MDB Afro no Pará e apoiador do senador Alvaro Dias, presidenciável do Podemos. Disse ter deixado a campanha por não ver na deputada federal Renata Abreu, presidente do partido, uma atuação parlamentar em defesa dos direitos — Ela não tinha uma defesa em favor do povo negro — atacou.

Oliveira diz ter se aproximado de Bolsonaro para abrir um canal de comunicação em defesa dos quilombolas. O encontro entre os dois teria sido providenciado por um candidato a deputado federal do partido de Bolsonaro.

— Com as críticas dos meus irmãos a ele, eu pensei: ele vai ficar bravo com nosso povo. Como será com ele eleito? — conta.

*Matéria original publicada no site de O Globlo, em 21 de agosto de 2018, matéria original no link: glo.bo/2wck34q

 

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