CAR não leva em conta a realidade dos povos e comunidades tradicionais

Na segunda reportagem da série sobre o Cadastro Ambiental Rural (CAR), entenda alguns dos desafios e problemas na implementação do instrumento para os povos e comunidades tradicionais

 

O atual Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) estabelece que as Terras Indígenas e os territórios titulados de outros povos e comunidades tradicionais devem integrar o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Para isso, dá tratamento semelhante aos dos imóveis rurais de pequenos agricultores, incluindo a possibilidade de assistência do poder público em sua realização e prioridade em receber incentivos para a recuperação da vegetação nativa.

O CAR foi criado sem consulta aos povos e comunidades tradicionais e está voltado para a lógica da ocupação privada da terra. A ausência de participação na construção do mecanismo tem trazido dificuldades no cadastramento das populações que utilizam os territórios de forma coletiva.


Moradores do quilombo Morro Seco, em Iguape, no Vale do Ribeira, participam de oficina promovida pelo ISA

“A consulta livre, prévia e informada não aconteceu. A gente está tentando fazer um remendo perante o que está aí”, critica Denildo Rodrigues, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). Ao não consultar os povos e comunidades tradicionais, o Estado foi contra a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – promulgada pelo Decreto nº 5.051/2004 – e a Política Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais (Decreto nº 6.040/2007).

O que é o Cadastro Ambiental Rural?
O CAR é um instrumento definido em âmbito nacional pelo Código Florestal (Lei 12.651/2012) com o objetivo de criar um registro de todos os imóveis rurais no país, integrando as informações ambientais em uma base de dados para viabilizar a regularização ambiental dos imóveis rurais e garantir o controle, monitoramento e combate ao desmatamento no Brasil.
No CAR, é feito o registro das áreas desmatadas, de Reserva Legal (RL), Preservação Permanente (APPs), áreas de Uso Consolidado, de Uso Restrito e as que devem ser reflorestadas. Apesar de ter se tornado obrigatório para todo o país com o Código Floretal, o CAR já era utilizado antes de 2012 em estados da Amazônia Legal como parte das políticas de redução do desmatamento no bioma.

Ao mesmo tempo em que não contempla os modos de presença no território e de uso dos recursos naturais dos povos e comunidades tradicionais, a legislação impõe a obrigatoriedade do cadastro às populações. Além disso, o Estado deve fornecer assistência e informação na realização do cadastro, mas ainda há muitas lacunas nesse sentido.

Os povos e comunidades tradicionais no Sicar

De acordo com o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), responsável pela gestão do Sicar a em nível nacional, foram incluídos 1.744 cadastros no módulo para Povos e Comunidades Tradicionais, o que equivale a 27 milhões de hectares. Não há ainda, no entanto, o número de cadastros por cada segmento de povos e comunidades tradicionais – o atual módulo permite o cadastro de 28 segmentos, como quilombolas, indígenas, faxinalenses e raizeiros, por exemplo. O SFB informou que um levantamento e mapeamento por segmento está sendo realizado e “será disponibilizado em breve”.

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