06 ago

Agricultor cria jornal artesanal para falar da comunidade quilombola onde vive, no AP

Sebastião Menezes estudou até a 5ª série, mas formou os 3 filhos. O gosto pela leitura e a paixão pela comunidade rural Curiaú o incentivaram a registrar as histórias de sua gente em livros e jornal.

Na comunidade rural quilombola Curiaú, na Zona Norte de Macapá, um agricultor que estudou apenas até a 5ª série do ensino fundamental é personalidade cativa da região. Sebastião Menezes, de 59 anos, criou um jornal artesanal para relatar, denunciar problemas e contar histórias de vida dos moradores.

A necessidade de escrever sobre o lugar onde mora surgiu há 10 anos. As notícias são escritas por ele, passadas para o computador por uma amiga e depois são impressas em papel A4. Tudo é muito simples, mas enche de orgulho o Sebastião, conhecido como Sabá Curió.

“Essa necessidade é uma prática que eu gosto de fazer, mas eu sei mesmo é mexer com a roça. Desde jovem, como eu não tive muito infância, me preocupava com os mais velhos e eu queria desenvolver a comunidade. Com isso eu ficava interagindo com os mais velhos e era preciso escrever o que eles falavam”, contou.

Publicações contam histórias da comunidade quilombola Curiaú, em Macapá (Foto: Rede Amazônica/Reprodução)

Publicações contam histórias da comunidade quilombola Curiaú, em Macapá (Foto: Rede Amazônica/Reprodução)

Sebastião é casado e pai de três filhos já formados. Foi com o dinheiro adquirido na lida da roça que conseguiu, como ele mesmo fala, “encaminhar” os filhos, um é médico, o segundo é da área de recursos humanos e outra é acadêmica de medicina.

“A nossa comunidade do Curiaú é tradicionalmente rural, mas é uma das comunidades onde tem muita gente com o ensino superior, e os meus filhos todos estão formados e encaminhados”, falou, expressando o sentimento de dever cumprido.

 

 

 

 

 

 

 

 

Sebastião distribui o jornal pela comunidade de bicicleta (Foto: Rede Amazônica/Reprodução)

Mas é de bicicleta que a publicação mais frequente é entregue de porta em porta por ele, o “Jornal do Quilombo”. A notícia virou paixão, segundo ele. Nesse jornal ele noticia tudo o que se passa na comunidade.

“Eu fiquei pensando em como isso poderia chegar a mais gente na comunidade. Aí fiz o jornal e vi que poderia ser mais sério. Daí eu juntei mais pessoas para contar histórias e cada vez mais com maior volume de textos. Tenho apoio de uma amiga que paga a impressão e eu saio rodando a comunidade na minha bicicleta, as vezes deixo em órgãos públicos”, relatou.

Sebastião lembra que, depois que o jornal começou a dar certo, a comunidade passou a ajudar em alguns informativos, inclusive com impressões em tamanhos maiores, em papel próprio de jornal e algumas vezes até com impressões coloridas.

Paixão pela escrita já resultou na publicação de três livros, além do jornal (Foto: Rede Amazônica/Reprodução)

Paixão pela escrita já resultou na publicação de três livros, além do jornal (Foto: Rede Amazônica/Reprodução)

Mas aos poucos o projeto foi ficando de lado e atualmente ele voltou a escrever sozinho. Mesmo com quase nada de recurso, o agricultor insiste em manter o jornal em circulação pela vizinhança.

O homem que teve de trabalhar muito cedo para sustentar a família, se alegra em ver a história da comunidade em que vive chegar a mais pessoas. O último exemplar foi o de número 124 e ele já está preparando a próxima edição.

“Na minha época, dificilmente uma pessoa conseguia avançar nos estudos. A gente tinha que trabalhar no meio rural para sustentar a família, e o trabalho era o que dava dignidade para as pessoas. Garanto que naquele tempo não tinha tanta gente de má conduta como tem hoje, porque a gente dava valor ao trabalho. A gente vê a vida de forma diferente e são esses ensinamentos que eu quero que os outros vejam”, finalizou.

"Na minha época, dificilmente uma pessoa conseguia avançar nos estudos", diz Sabá Curió (Foto: Rede Amazônica/Reprodução)

“Na minha época, dificilmente uma pessoa conseguia avançar nos estudos”, diz Sabá Curió (Foto: Rede Amazônica/Reprodução)

*Matéria original publicada no site do G1 em 03 de julho de 2018.

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