08 jun

Quilombola da Cidade Ocidental (GO) apitou mais de 300 jogos do Brasileirão

Texto: Walisson Braga.

Fotos: Arquivo pessoal de Jamir Garcez

Morador de Mesquita, comunidade remanescente de quilombo no município de Cidade Ocidental, em Goiás, Jamir Carlos Garcez desde cedo se interessou pelos esportes. Gostava de bater uma bola, paixão que o levaria a uma carreira de atleta profissional e, depois, de juiz de futebol.

Jamir nasceu no dia 4 de dezembro de 1961, em Mesquita. Situado a cerca de 50 km de Brasília, este território tem quase 300 anos de história. Filho de Ana Teixeira Magalhães e Diogo Garcez, recebeu, junto com os irmãos, incentivo dos pais para estudar e buscar uma vida melhor. “Enfrentamos muitas dificuldades para nos mantermos na escola e ainda sofríamos com o racismo. Mesmo assim, tirávamos boas notas e nos destacávamos na sala de aula”, recorda Jamir.

Também foi exigida muita garra de Garcez para seguir nos esportes. Aliás, conseguiu conciliar a carreira acadêmica com a atividade atlética. Formou-se em Educação Física pela Faculdade Dom Bosco, em Brasília. Lembra que em uma matéria chegou a ser colega de sala de Joaquim Barbosa, futuro ministro e presidente do Supremo Tribunal Federal (STF).

Como competidor, Jamir enveredou pelo atletismo. Representou o Brasil em competições internacionais como corredor. Também trabalhou na Secretaria de Educação do Distrito Federal como coordenador do programa Esporte à Meia-Noite, para tirar jovens das drogas por meio de atividades como basquete e futebol.

Em 1997, concretizou o sonho de entrar no mundo no futebol, não como jogador, mas como árbitro. Antes, participou de um curso de dois anos para aprender as regras do jogo. A preparação deu certo e o quilombola conseguiu ser aprovado no concurso da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). “A concorrência era grande, mas não esmoreci”, revela Garcez.

Como juiz, Garcez apitou jogos em todos os 27 estados e no Distrito Federal, nas séries A, B e C do Brasileirão. Ele relembra as emoções de mediar clássicos do campeonato imersos em enorme rivalidade, como Flamengo X Fluminense . “Meu time é o Flu, mas nunca o favoreci em uma arbitragem. Sempre desempenhei meu trabalho corretamente. A responsabilidade era imensa quando rolava um Fla Flu devido à grande rivalidade entre esses dois clubes”, diz Jamir.

Racismo em campo

Em 2006, aos 45 anos, Garcez teve de abandonar os campos por conta da idade limite para exercer o ofício de juiz. Deixou para trás um saldo de mais de 300 jogos apitados no Brasileirão. Lamenta, no entanto, não ter tido oportunidade de entrar no gramado para arbitrar um jogo da Federação Internacional de Futebol (Fifa). “Este caminho é complicado para profissionais negros. Até onde sei, nunca um juiz negro brasileiro apitou um jogo da Copa. Espero que um dia se rompa esta barreira, que credito ao racismo institucional”, opina Jamir.

Embora saiba da constância de manifestações racistas nos estádios de futebol, Jamir afirma que nunca sofreu preconceito por ser negro ou mesmo foi vítima de agressão física durante o trabalho como árbitro. “Sempre me impus e, ao mesmo tempo, passava por um preparo psicológico intenso para lidar com momentos difíceis durante as partidas”, explica Jamir, referindo-se às ocasionais situações de violência provocadas pelo destempero de jogadores ou da torcida.

Atualmente, Jamir Carlos Garcez preside a Associação Nacional dos Árbitros de Futebol (Anaf) e ainda mantém uma vida dedicada ao esporte, principalmente em atividades para livrar jovens em situação de risco da criminalidade e das drogas. Ao ser perguntado sobre quais os principais rivais que o Brasil pode enfrentar no mundial da Rússia, arrisca: “Diria que Alemanha e Inglaterra. Estou na torcida para que nossa seleção traga o hexa para casa”.

 Defesa dos quilombolas

A Fundação Cultural Palmares (FCP) atua em todo o Brasil pela defesa das tradições, combate ao racismo e à intolerância religiosa e promoção da mobilidade social das comunidades quilombolas e dos demais afro-brasileiros. É a Fundação Palmares que concede a certificação que reconhece um território como remanescente de quilombo.

O documento abre as portas para que sua população tenha acesso a políticas públicas do governo federal. Entre esses programas estão a Bolsa Permanência, do Ministério da Educação (MEC), que disponibiliza recursos para que o quilombola consiga se manter no ensino superior; a distribuição de cestas básicas pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) e a regularização fundiária, a cargo do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

*Matéria original publicada no site da Fundação Cultural Palmares em 07 de junho de 2018.

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