04 maio

População quilombola é mais jovem do que população total do país: “Somos a continuidade”, diz integrante do Coletivo de Juventudes da CONAQ

Informações são do IBGE que contabilizou em 2022, pela primeira vez na história, a população quilombola brasileira. Compare os números e veja o que dizem Givânia Silva e Samilly Valadares – dos Coletivos de Educação e Juventudes da CONAQ.

Por: Letícia Queiroz

“Nossa juventude está sonhando e construindo novos mundos possíveis para os que virão depois de nós”. Foi o que disse Samilly Valadares, do Quilombo Oxalá de Jacunday, Moju-Pará após a divulgação dos novos dados do último Censo IBGE. A pesquisa mostrou que a população quilombola é mais jovem do que população total do país. Ao todo, quase metade da população quilombola (48,4%) tinha até 29 anos de idade em 2022.

Das 1,3 milhão de pessoas quilombolas mapeadas no Brasil, cerca de 24,7% tinham de 15 a 29 anos de idade, grupo de idade predominante nessa população. Se comparar com a faixa etária da população total residente no Brasil, predominavam as pessoas de 30 e 44 anos, com 23,5%.

Ainda entre os quilombolas, o segundo grupo com maior peso era crianças e adolescentes de zero a 14 anos de idade (23,7%), seguido pelo de 30 a 44 anos (21,9%). Já a idade mediana dos quilombolas foi de 31 anos de idade, abaixo da idade mediana da população total residente no Brasil, de 35 anos de idade.

Samilly está no grupo de idade predominante. Ela tem 29 anos é psicóloga, artivista e faz parte do Coletivo de Juventudes da Coordenação Nacional de Articulação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ).  Ela e outros milhares de jovens não são apenas números, mas fazem parte de uma luta histórica e ancestral e assumiram papéis de lideranças. Jovens que cada vez mais se engajam na luta para melhorias dentro dos seus territórios.

A jovem conta que tudo o que aprendeu foi graças aos ensinamentos dos mais velhos. Ela reconhece que os griôs abriram caminhos e que agora é a vez da juventude de se juntar a essa resistência ancestral.

“A luta quilombola é meu compromisso de vida, aprendi com meus mais velhos e com a juventude que caminha comigo. ‘Nós somos os sonhos dos nossos ancestrais”. Sempre pontuo que nossa juventude quilombola é continuidade dos passos que vêm de longe. A gente se organiza em roda, escutando e aprendendo com os mais velhos e ocupando espaços. Estamos nas comunidades, nas universidades, coordenando projetos atuando em coletivo e fazendo nossas vozes ecoarem nessa luta por direitos. Aprendo, todos os dias, a construir estratégias de forma comunitária. A romper com as imposições da banquitude, a ser resistência. Pois nossos mais velhos nunca desistiram, nunca abaixaram a cabeça e sempre sonharam dias melhores para nós. Nossos griôs inspiram, impulsionam e sempre abriram caminhos”, afirmou Samilly.

 

 

As conquistas para a população quilombola são alcançadas com muita luta. Uma delas foi o último censo do IBGE, que contabilizou, pela primeira vez na história, a população quilombola brasileira e suas características demográficas, geográficas e socioeconômicas. A CONAQ afirma que o número ainda não representa a totalidade de quilombolas do país já que há diversos relatos de pessoas quilombolas que não foram incluídas na contagem específica. Ainda assim o levantamento foi comemorado pelo movimento quilombola que vem cobrando, há séculos, políticas públicas básicas e fundamentais.

Outro resultado da divulgação do Censo 2022 é a predominância masculina até os 24 anos e feminina a partir dos 30 anos, quando se analisa o recorte por sexo e grupo etário. Conforme os dados do IBGE, outro resultado importante diz respeito à idade da população quilombola quando considerada a localização de domicílio dentro de territórios com alguma delimitação formal.  Ao todo, o percentual de quilombolas com até 29 anos em territórios é 52,5%, enquanto os idosos com 60 anos ou mais participam com 11,8%.

Os dados mostram que a população jovem é muito significativa e que é desejo da juventude permanecer nos seus territórios.

Givânia Silva, co-fundadora da CONAQ  e coordenadora do Coletivo Nacional de Educação da CONAQ disse que essa é uma pauta importante do movimento quilombola.

“A CONAQ vem estimulando a permanência dos jovens em suas comunidades. Por isso é tão importante pensar políticas para a juventude. A escola tem que ser esse lugar de refletir sobre a realidade, de manter viva a memória e as tradições, conhecimentos dessas populações e estimular para que esses territórios sejam regularizados. Assim nossos jovens podem ficar em seus territórios e gerar renda. É muito importante que a gente não só faça da escola um lugar acolhedor para a juventude, mas que outras políticas possam chegar para esses jovens e que a gente possa mantê-los em seus territórios e com acesso às políticas públicas, às ferramentas tecnológicas e com conhecimentos produzidos pelas nossas comunidades”, disse Givânia.

Para isso alguns projetos pensados na educação diferenciada foram criados. Como é o caso da Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas e Cursos de formação para professores e professoras quilombolas. O objetivo é fortalecer as Diretrizes Nacionais para a Educação Escolar Quilombola, mesmo com a não implementação na maioria dos municípios em que há população quilombola.

“Construímos essa Escola focada nas jovens porque entendemos que as mulheres têm um papel fundamental nesse processo de resistência e manutenção dos territórios. Fazer com que as meninas tomem consciência dos seus direitos, lutem por eles e ao mesmo tempo acessem educação de qualidade. Essa é uma tarefa, um desafio para todos nós cobrarmos. Mas é responsabilidade do Estado Brasileiro promovê-las”, disse Givânia sobre a Escola está na primeira edição, recebeu mais de 440 inscrições e formou turmas virtuais de adolescentes de todas as regiões do Brasil.

Ainda segundo os dados do IBGE, apenas 12,6% da população quilombola reside em Territórios Quilombolas oficialmente delimitados, o que mostra a morosidade em regularizar os territórios. Para quilombolas de todas as idades, a titulação e a garantia do direito ao território é a principal pauta para o bem viver.

A regularização dos territórios é uma das demandas da juventude. Para além das pautas políticas, demandas e luta política, os ensinamentos passados por gerações, os saberes e fazeres ancestrais são parte da particularidade da população quilombola e a juventude está empenhada em dar continuidade a essa tradição.

“Como Nêgo Bispo demarca, é uma confluência entre geração neta e geração avó. A gente cresce, aprende e se fortalece no movimento quilombola, em roda com os mais velhos. Somos da circularidade e isso é base para a defesa de nossos territórios, nossas vidas e histórias”, finalizou Samilly.

 

 

Foto 1: Encontro do 1º Fórum Quilombola de Meio Ambiente e Envolvimento Territorial de Moju-Pará  –  Foto: Hugo Chaves
Foto 2: Jovens da Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas
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