03 jun

Pela 1ª vez, CONAQ participa do Cedaw na Suíça e evento termina com recomendações para proteção das mulheres quilombolas

Por: Sarah Fogaça (com edição de Letícia Queiroz)

Nos dias 20 a 24 de maio a Coordenação Nacional de Articulação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), representada pela quilombola Maria do Carmo Ribeiro de Jesus e pela advogada Sarah Fogaça da Silva, com o apoio da Cooperação para o Desenvolvimento dos Países Emergentes (COSPE), do Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Race and Equality) e da União Europeia, participou presencialmente da 88ª Sessão do Comitê sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (Cedaw), na sede da Organização das Nações Unidas (ONU) em Genebra, na Suíça.

 O debate sobre as mulheres quilombolas tomou maior visibilidade em âmbito internacional, principalmente, em decorrência da incidência realizada durante a sessão em Genebra e as recomendações enviadas à Comissão pela CONAQ no que refere-se às principais demandas frente ao Estado Brasileiro. (veja abaixo)

O Brasil é um dos oito países analisados pelo Comitê na 88ª Sessão sobre a situação dos direitos das mulheres e da igualdade de gênero, e pela primeira vez, a CONAQ participou da incidência nas recomendações produzidas pela CEDAW. Durante a fala de Maria do Carmo de Jesus, do quilombo Forras, em Sergipe, na ONU, foram enfatizadas as reivindicações da CONAQ.

“Nós enfrentamos diversos obstáculos para acessar a justiça, tanto nos processos coletivos de titulação, como nos casos individuais de ameaças, violência e assassinatos. Ainda é recorrente a invisibilidade nas estatísticas, em especial das mulheres quilombolas. A falta de dados sobre a nossa realidade contribui diretamente para a ausência de políticas públicas, que considerem as mulheres quilombolas como público prioritário. Recomendamos que seja aplicado o direito à consulta livre, prévia e informada, tanto na concepção de políticas, programas e ações públicas, como em todos os empreendimentos privados que impactam nossos territórios, que seja realizado a titulação dos nossos territórios e que nossas mulheres continuem seguras e vivas”, disse Maria do Carmo de Jesus. 

Os quatro dias também foram marcados por reuniões entre a CONAQ e relatoras da ONU, com intuito de incidir no documento oficial que a CEDAW encaminha para o  Estado Brasileiro. Durante a audiência do dia  23 de maio, as relatoras da CEDAW questionaram o Estado Brasileiro sobre como pretendem: reverter a situação que as comunidades quilombolas; garantir a segurança das defensoras e defensores de direitos humanos; fazer com que as mulheres quilombolas tenham acesso às ferramentas da Lei Maria da Penha; garantir que o direito à consulta livre prévia e informada seja respeitado, principalmente em relação aos grandes empreendimentos que se instalam dentro dos territórios.

Destaca-se que o relatório preliminar publicado pela CEDAW, deu grande ênfase à questão das mulheres quilombolas ao recomendar para o  Brasil uma série de observações a serem cumpridas. Dentre elas, que o Estado Brasileiro:

  • – Intensifique seus esforços para divulgar e aumentar a conscientização sobre a Convenção, o Protocolo Facultativo e as recomendações gerais do Comitê em línguas usadas no Estado-Parte, incluindo línguas indígenas, em particular entre mulheres quilombolas;
  • – Implementação de políticas públicas para mulheres quilombolas;
  • – Fortaleça o acesso à justiça para mulheres quilombolas, implantando tribunais móveis em áreas remotas,  prestar assistência jurídica gratuita, interpretação e reembolso das despesas de transporte e divulgar informações sobre os recursos legais disponíveis para reivindicar seus direitos;
  • – Amplie o uso de medidas especiais temporárias, incluindo cotas, bolsas de estudo especiais, ações afirmativas e incentivos financeiros para a contratação de mulheres, e estabeleça metas temporais para acelerar a consecução da igualdade substantiva de mulheres e homens em todas as áreas cobertas pela Convenção, onde as mulheres, particularmente, mulheres quilombolas;
  • – Reforce seus esforços para promover a representação igualitária das mulheres quilombolas no Congresso Nacional, nos cargos governamentais, no judiciário e no serviço público nos níveis nacional, estadual e local;
  • – Proteger todas as mulheres defensoras de direitos humanos de quaisquer ameaças, ataques, assédio, intimidação, assassinatos e criminalização de seu trabalho legítimo, e processar e punir adequadamente os autores de tais atos violentos, incluindo funcionários públicos, com foco especial nas mulheres quilombolas e afrodescendentes no contexto da demarcação e titulação de terras;
  • – Intensificar os esforços para aumentar a inclusão e a  reinserção de meninas na escola, em especial no nível médio, com especial atenção às meninas quilombolas e afrodescendentes, inclusive por meio de bolsas de estudo;
  • – Garantir que todas as mulheres e meninas tenham acesso à educação inclusiva de qualidade, buscando não apenas seu acesso, mas também sua permanência nas escolas, e adotar uma política nacional antibullying para proporcionar ambientes educacionais seguros e inclusivos a mulheres e meninas,  livres de discriminação, assédio e violência;
  • – Aumentar suas medidas direcionadas para promover o emprego formal de mulheres quilombolas;
  • – Assegurar a representação equitativa e inclusiva das mulheres rurais na adoção e execução de projetos ambientais e de desenvolvimento rural e nas estruturas de governação territorial, especialmente a nível de tomada de decisão, e que beneficiem igualmente dos benefícios desses projetos; 
  • – Garantir que as mulheres e meninas rurais tenham acesso adequado à tecnologia agrícola, educação e serviços de saúde, incluindo serviços de saúde sexual e reprodutiva.
  • – Assegurar a participação das mulheres quilombolas na tomada de decisões relacionadas a atividades extrativistas, iniciativas econômicas, desenvolvimento, investimento, turismo, programas de mitigação e adaptação ao clima e projetos de conservação, e que qualquer uso de seus territórios esteja sujeito a consulta e seu consentimento livre, prévio e informado e compensação adequada;
  • – Reforce os esforços para reduzir a pobreza entre as mulheres, com especial ênfase nos grupos desfavorecidos de mulheres, promova seu acesso a empréstimos a juros baixos sem garantias e sua participação em iniciativas empresariais para capacitá-las economicamente e proporcionar-lhes oportunidades de adquirir as habilidades necessárias para participar plenamente da vida econômica;
  • – Garantir a titulação dos territórios quilombolas;
  • – Proteger as mulheres quilombolas e afrodescendentes da ocupação ilegal e dos despejos forçados de terras tradicionalmente ocupadas ou usadas por elas, fortalecer as garantias processuais contra despejos forçados e reparações para as vítimas, prever sanções adequadas e exigir o consentimento prévio informado de suas comunidades e a repartição adequada de benefícios para quaisquer atividades econômicas em suas terras tradicionais;
  • – Abster-se de adotar qualquer legislação para promulgar a doutrina do Marco Temporal, e rejeitá-la na jurisprudência, conscientizar a população sobre seus efeitos adversos sobre mulheres e meninas quilombolas, assegurar a promoção e proteção de seus direitos, em especial a demarcação de seus territórios ancestrais sem quaisquer restrições temporais; 
  • – Garantir que as mulheres quilombolas sejam explicitamente reconhecidas como um grupo desfavorecido que precisa de proteção especial na legislação nacional, proporcionar-lhes os mesmos direitos que outros grupos semelhantes, incluindo o acesso ao Sistema Universal de Saúde, educação e outros serviços sociais essenciais, remover quaisquer barreiras legais e burocráticas que as impeçam de acessar esses serviços e conscientizar as mulheres quilombolas sobre seus direitos humanos e os remédios disponíveis para reivindicá-los.

 

Relatório enviado pela CONAQ para CEDAW:   https://docs.google.com/document/d/1eRVu-5F0XHaE_vctd_DnyjDHEa9_EltW3M-O_o_Ib5g/edit 

Recomendações da CEDAW para o Brasil:  https://docs.google.com/document/d/1vBkg-RQRiWZW6Uwsa5wsiPPMCV2MKxBP/edit

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