NOTA DE REPÚDIO DA CONAQ sobre o arquivamento pelo STF de inquérito contra Bolsonaro por crime de racismo

A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), fundada em 1995, englobando 25 estados, vem, por meio deste, manifestar veemente repúdio à decisão do Supremo Tribunal Federal de arquivar a denúncia do Ministério Público Federal contra Jair Messias Bolsonaro por crime de racismo contra quilombolas no Brasil. 

Relembre os fatos: Em evento realizado no Clube Hebraico do Rio de Janeiro em 3 de abril de 2017, o então deputado federal Jair Messias Bolsonaro se referiu de modo discriminatório a quilombolas, indígenas, mulheres, LGBTs e refugiados, utilizando termos como “arrobas” e “procriar”, igualando-os a bichos. O caso foi levado à Suprema Corte mediante denúncia da Procuradoria Geral da República pelo crime de racismo,tipificado no art. 20, cabeça, da Lei nº 7.716/1989: “praticar, induzir ou incitar discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.

Nós, quilombolas, ficamos indignados com as declarações de cunho racista desferidas contra os povos quilombolas pelo atual presidente da República, à época deputado federal, Jair Messias Bolsonaro. Mas nos causa ainda maior indignação que a mais alta Corte do país chancele conduta tão grave e inaceitável.

Em 2018, a Turma rejeitou a denúncia e determinou o arquivamento do caso. Em agosto de 2019, a decisão foi publicada e pode-se conhecer mais a fundo os fundamentos que levaram o Tribunal a rejeitar a denúncia e arquivar o caso. Segundo o STF, a fala não configuraria conteúdo discriminatório e as manifestações estariam inseridas na liberdade de expressão e protegidas pela imunidade parlamentar. Para aquele Tribunal, a manifestação não seria criminosa, mas simplesmente uma conduta moralmente reprovável.

A decisão nos provoca indignação, mas, infelizmente, não nos surpreende. Afinal, temos um Poder Judiciário composto, majoritariamente, por homens brancos, uma composição sem qualquer correspondência com a diversidade étnico racial da sociedade brasileira e que dificulta muito a aplicação de penalidades raciais. A disparidade entre a composição do Judiciário e a sociedade vem sendo denunciada, há anos, pela Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDh) e foi objeto de recente pronunciamento da JusDh em audiência pública promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre concurso da magistratura, ocasião em que se indicou que a forma de ingresso na magistratura perpetua essa característica do sistema de justiça.

Em um Estado Democrático de Direito, espera-se que o Poder Judiciário reconheça as desigualdades sociais e atue na reparação das violações de direitos humanos, em especial da população que sofre sistematicamente violências de todos os tipos, pelo Estado, por empresas e ruralistas. Espera-se que o Judiciário combata o racismo, a discriminação e que proteja os direitos das populações mais vulneráveis, sobretudo em um contexto de acirramento de conflitos e aumento de assassinato de quilombolas no país. Pesquisa promovida pela CONAQ e pela Terra de Direitos revela que o número de assassinatos de quilombolas em 2017 foi o maior em dez anos.

Ao considerar lícitas as falas que comparam negros e negras quilombolas a animais e ao decidir que tal conduta não merece sequer ser investigada, a decisão do Supremo Tribunal no Inquérito 4.694-DF contribui para a naturalização da violência contra as comunidades quilombolas no Brasil e aumenta a vulnerabilidade de uma população historicamente atingida pelo racismo estrutural e a falta de direitos básicos.

Os homens e mulheres negras exigem do Estado brasileiro, através de todos os seus poderes (executivo, legislativo e judiciário), respeito, direitos e políticas públicas de combate à violência e discriminação contra os povos quilombolas e políticas comprometidas com a imediata regularização fundiária dos territórios quilombolas, reivindicados há mais de três séculos.

 

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