09 maio

DO CORAÇÃO DA AMÉRICA, LUTANDO PELA SOBREVIVÊNCIA: Movimentos Negros Brasileiros vão à Jamaica denunciar na Comissão Interamericana de Direitos Humanos o pacote “anticrime” de Sérgio Moro e suas violações aos Direitos Humanos

Eu vou lá denunciar este pacote! Se nós já estamos morrendo sem este pacote, imagina com ele?! Eu vou sair do Reinado de São Benedito aqui da minha comunidade e vou lá, me juntar à turma pra denunciar!” Estas são palavras de Sandra Maria da Silva, quilombola de Minas Gerais que compõe a comitiva de representantes de diversos movimentos negros brasileiros que, em ação histórica, se organizaram em coletivo para levarem à CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) denúncias e pautas sobre violações de direitos humanos convergentes sobre a população negra brasileira, em toda a sua diversidade: rural, urbana, étnica, religiosa, etc. A ação engloba um coletivo de 14 representantes de movimentos da sociedade civil organizada de todas as regiões do Brasil. A CONAQ conta com 3 representantes quilombolas: Sandra Maria da Silva (MG) ; Sandra Pereira Braga (GO) ; Danilo Serejo Lopes (MA).

Desde o começo do ano de 2019 os movimentos negros brasileiros têm percebido a urgência e potência de unificação de suas lutas, especialmente diante do novo cenário político. Em 04 fevereiro deste ano, o atual Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública – e juiz exonerado – Sérgio Moro, apresentou um conjunto de propostas que visam a alteração de leis federais ligadas à área penal, estas alterações sugeridas estão no intitulado “Pacote Anticrime” apresentado pelo ex-juiz Moro. Do ponto de vista dos movimentos negros, este conjunto de propostas pode ser muito prejudicial para a sociedade, especialmente para população negra, a mais vulnerável a sofrer violências devido uma série de combinações perversas de discriminação e desigualdades que recaem sobre nós; o resultado destas combinações são visualizáveis através de diversos índices sobre vítimas de violências e mortes.

O “Pacote Anti Crime” ignora fatos, evidências, pesquisas, elaborações acadêmicas e

científicas, além de toda a mobilização da sociedade em torno do tema, e propõe algo dissonante

ao que vem sendo discutido e defendido como solução para o grave problema de segurança pública vivida no Brasil.” Afirmam os Movimentos Negros Brasileiros em ofício apresentado à CIDH. Esta afirmação não é meramente discursiva-política, ela se baseia na análise de diversos relatórios sobre violência no país. Como por exemplo , o Atlas da Violência produzido pelo Instituto de PesquisaEconômica Aplicada -IPEA que demonstra que 71,5 % das pessoas assassinadas por ano no Brasil são negras.

Em situação de grande vulnerabilidade, as comunidades quilombolas também se veem ameaçadas pelo pacote de alterações propostas pelo Ministro. Segundo pesquisas recentes, o índice de violência no campo contra quilombolas têm aumentado em proporções assustadoras. No ano de 2017 houve um aumento de 350% no número de assassinatos contra quilombolas comparado a anos posteriores – dados do livro Racismo e Violência contra Quilombos no Brasil, lançado em 2018. Vítimas dos mais variados assédios e violências como perseguições, ameaças, intimidações, invasões de suas terras e assassinatos, os quilombolas temem pelas suas vidas, de seus companheiros, e pela segurança de seus territórios tradicionais.

Liderança ameaçada no Brasil devido à sua luta pela titulação de seu território quilombola, Sandra Braga tem sido umas das principais porta-vozes da CONAQ na denúncia destes dados levantados pela pesquisa “Racismo e Violência”. Em busca de visibilidade internacional e parceiros que possam contribuir na causa dos quilombolas, Sandra já esteve com alguns órgãos internacionais de direitos humanos e demais atores deste campoe agora leva nossa pauta para os comissários da CIDH em Kingston, capital jamaicana.

Danilo Serejo, quilombola e advogado do estado do Maranhão aponta para a importância da Audiência Oficial da CIDH no atual momento político brasileiro e atenta para a situação dos quilombolas de Alcântara, impactados pela Base Espacial utilizada comercialmente pelos Estados Unidos da América para o lançamento de foguetes e satélites deste país.

Esta agenda ocorre num momento emblemático para o povo negro e quilombola do Brasil. O ascenso da extrema direita no Brasil em 2018, via eleição de Bolsonaro, sinaliza um retrocesso sem precedentes aos direitos conquistados e consagrados na constituinte de 1988.

No que tange a Alcântara, é de se destacar que vivemos um momento muito tenso em função da celebração do Acordo de Salvaguarda Tecnológica (AST) entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos para o uso comercial da Base Espacial de Alcântara. A Base Espacial está intrusada dentro do nosso território tradicional, há pelo menos 38 anos, e por conta disso nossa área nunca foi regularizada e titulada, conforme normatiza o artigo 68 do ADCT da CF/88. O AST, se aprovado no Congresso brasileiro sem que as terras quilombolas de Alcântara sejam tituladas, contribuirá para agravar o cenário de violações dos direitos humanos das comunidades quilombolas de Alcântara, e a negação do território. Este é um dos pontos que queremos pautar e debater em Kingston com a CIDH. Explica Danilo.

O evento que vem acontecendo desde segunda-feira, 06 de maio, tem nesta quinta-feira 09, sua audiência oficial. O coletivo negro formalizará suas denúncias para Comissão Interamericana de Direitos Humanos em um documento unificado, no qual todos os movimentos reunidos assinam e corroboram.Mais uma importante ação na luta pela sobrevivência e dignidade de vida da população negra brasileira.

 Comitiva de Movimentos Negros do Brasil na 172 Sessão da CIDH, na Jamaica. Arquivo da comitiva.

Texto: Ana Carolina Fernandes, assessoria de comunicação CONAQ

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