27 jul

PARAÍBA: BOAS PRÁTICAS DA AGRICULTURA FAMILIAR QUILOMBOLA

Por Josiel Alves

Convivência com o semiárido 

A Paraíba é um dos 10 (dez) estados que compõem o semiárido brasileiro, assim delimitados pela Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste-SUDENE, diante das suas circunstâncias climáticas e de semiaridez. Neste sentido, ao longo dos anos, a região sofre diversos efeitos climáticos, em sua grande maioria causados pelo homem, que vê um potencial na vegetação caatinga para alimentação animal e para o cultivo, muitas vezes da monocultura, causando queimadas e assim destruindo o meio ambiente.

Um dos conceitos que vem sendo discutido por movimentos populares, organizações não governamentais e alguns setores governamentais é a convivência com o semiárido, um importante aspecto para diminuir as ações negativas contra a natureza, como desmatamento, retirada/expulsão de animais de suas áreas e interferência nos córregos de rios, nascentes. Já as ações no termo positivas podem ser enfatizadas como um ciclo cultural ancestral, algo que há séculos os seres humanos e a natureza viviam em harmonia, contudo as inovações tecnológicas, expansão de culturas únicas como milho, soja, cana-de- açúcar, foram tomando espaços cada vez maiores.

Nossa fauna e flora estão diminuindo gradativamente, por causa dos efeitos climáticos. Nossa atmosfera a todo instante está sendo poluída pela dispersão de gases tóxicos, oriundos de indústrias e queimadas. Mas, a pequenos passos, agricultoras e agricultores vêm disseminando práticas sustentáveis, no sentido de conscientização, formação e produção, mostrando que é possível uma relação de troca com a natureza, não sendo mais a relação de apenas retirada das matérias-primas de um determinado espaço.

 

Experiências quilombolas na Paraíba e a proteção do meio ambiente

Os quilombos da Paraíba ainda buscam preservar a fauna e flora da caatinga sem degradação, buscando a convivência com a mãe terra, seja na produção de mudas nativas do semiárido, vinculadas ao plantio em áreas degradadas, no cultivo da agricultura tradicional, ligada a consórcios ou plantando culturas agrícolas no mesmo espaço (roçado), como milho, fava, feijão, melancia, jerimum, abóbora, quiabo, macaxeira, inhame, cará e hortaliças, heranças passadas de pais para filhos e que até hoje predomina.

O cuidado com a terra na hora de plantar é algo fundamental para o desenvolvimento das plantas. Nesse sentido, os quilombolas na Paraíba ainda têm a tradição do corte de terra no arado com tração animal, a prática de virar a terra acontece a cada 1 (ano) ou a cada 2 (dois) anos, quando vai fazer um novo plantio. Essa prática acontece desde antigamente, isso minimiza a compactação do solo e assim não perde muitos nutrientes na época das chuvas. Contudo, essa tradição tem perdido espaço para o maquinário, a exemplo dos tratores que danificam mais o solo.

Em contrapartida, os agricultores têm plantado em consórcios e adubado o solo com estercos animais e restos da plantação antiga, com isso o solo não vai ser tão degradado. As práticas também incluem uma capinagem ralar, sem derrubar ou realizar queimadas, onde a utilização de biofertilizantes, defensivos naturais, caldas de folhas de plantas ou frutos são usados no combate de pragas naturais, e a interação das plantas que, agem como defensivos naturais, não ocasionam muitas perdas na plantação, porém ainda percebemos o uso de venenos em algumas produções, em vista desses agricultores quilombolas acharem que é uma via mais fácil de elimina as pragas das plantações sem perceber os danos na saúde e na terra. Neste sentido a formação nas associações e cooperativas tem sido o ponto principal para levar o conhecimento para os quilombolas pra terem uma melhor produção e perceber os impactos negativos dos agrotóxicos.

Além do cuidado na hora do corte da terra depois do plantio, as culturas agrícolas começam a brota, assim inicia-se a limpeza manual, com ferramentas como a enxada, que consiste na chegada de mais terra no pé da planta, para que ela se desenvolva melhor, e para a retirada de ervas daninhas que nascem no meio da plantação, assim servido de adubação verde no solo. O arado com tração animal também é usado nesse momento, com outra lâmina chamada cultivador que só retira aquelas plantinhas perto das culturas plantadas no local e vira a terra para mais próximo dos caules. A preparação de canteiros de hortaliças também passa por um processo semelhante, o manejo dos insumos para o preparo da adubação tem origem orgânica, como esterco de animais (galinhas, bodes e bovinos), capim seco, para cobertura do solo, e até solos de beiras de rios ricos em nutrientes para as hortas.

Uma importante prática que tem se fortalecido nos quilombos da paraíba é a criação de bancos de sementes crioulas coletivas. Essa cultura de armazenamento de sementes em garrafas de plásticos foi passada pelos antepassados e possibilita que as sementes sejam protegidas de pequenos insetos ou umidades, sendo conservadas por alguns anos e pronta para o plantio. A rotação de sementes dos agricultores, ou troca de sementes, acontece a cada novo plantio e colheita, assim preservando as culturas nativas daquela região.

Algumas políticas públicas que têm dado um grande suporte para os agricultores foram a construção de cisternas de placas, com duas etapas: água 1, para o consumo de casa, e água 2, que é a cisterna de calçadão para o armazenamento de água para os animais e para o cultivo de hortaliças e frutíferas. A água é um importante elemento para a produção e a sobrevivência dos agricultores quilombolas. É possível destacar iniciativas, como o plantio em curvas de níveis, que servem para ter uma melhor infiltração da água no solo e também sua preservação.  As barragens subterrâneas, como proposta para o plantio de plantas forrageiras nativas e outras culturas agrícolas, têm a composição de uma valar (buraco), revestida com uma lona específica para o armazenamento de água, onde é coberta pelo próprio solo retirado daquela valar, o  que possibilita o agricultor cultivar em cima, pois a água das chuvas vai ficar infiltrada no subsolo. A recuperação de nascentes de rios e a plantação de mudas nativas também faz parte dos cuidados com o solo, pois é da terra que se tira os principais subsídios para a sobrevivência humana.

 

Desafio na produção orgânica nos quilombos 

A produção orgânica é um grande desafio para os agricultores e especificamente para os quilombolas. A existência de problemas para a execução de uma produção orgânica em grande ou pequena escala se dá em diversos fatores, mas levanto um principal problema que é a falta de políticas públicas de incentivo e financiamento dessas produções, pois é necessário para preservação do meio ambiente. As políticas de produção, preservação e comercialização podem ser de grande impacto positivo para a convivência com o semiárido, pois em funcionamento e bem desenvolvidas é possível alcançar uma conscientização mais forte de preservação. Com isso, adentramos em outro fator mais interno, que é a formação, onde o reavivamento de culturas ancestrais vai brotando novamente, exemplos em pequenas produções orgânicas mostram aos agricultores quilombolas que é possível uma subsistência e geração de renda da sua propriedade.

A caminhada é longa para termos alimentos saudáveis em nossa mesa e vida digna para nossos povos, mais movimentos populares, organizações não governamentais e outras instituições públicas e algumas privadas têm iniciado formações para os produtores começarem seus plantios. A preservação de sementes crioulas é um dos pontos principais que é debatido. Na Paraíba, alguns quilombos têm preservado suas sementes crioulas, criando bancos de sementes e iniciando suas produções orgânicas para o consumo e comercialização em feiras livres e casas de economia solidária.

Josiel Alves: Graduando do curso de Ciências Sociais na Universidade Federal de Campina Grande-Campus Sumé, jovem quilombola da Comunidade Quilombola Cacimba Nova – São João do Tigre (PB). Militante da Pastoral da Juventude Rural-PJR na Paraíba e comunicador popular. Atua há 5 anos nas causas populares do campo e das comunidades quilombolas.

 

Foto: Josiel Alves

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