20 abr

Para garantir acesso de quilombolas nas universidades, CONAQ envia ofício à Câmara dos Deputados e pede alterações em trechos da Lei de Cotas 

Prestes a completar 10 anos, o texto passa por revisão. As modificações e justificativas apontadas são necessárias para que quilombolas tenham amplo acesso à educação superior e bolsa permanência 

Imagem de Capa: Holdry Oliveira, do quilombo Carrapatos da Tabatinga – MG | Foto: Luiz Paulo @oinstadoluizpaulo

Por Letícia Queiroz

A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) por meio do Coletivo de Educação e do Coletivo Jurídico enviou à Câmara dos Deputados um ofício com propostas de alterações no Projeto de Lei Nº 3422, de 2021, texto que trata da renovação da Lei de Cotas.

Prestes a completar 10 anos, a lei que garante o acesso de estudantes da rede pública, incluindo quilombolas, nas instituições federais de ensino superior, passa por revisão. O objetivo das contribuições no ofício produzido pelo Coletivo de Educação e Coletivo Jurídico da CONAQ é colaborar e lutar para garantir que os direitos dos estudantes quilombolas sejam garantidos. 

O documento foi assinado pela coordenadora executiva da CONAQ, Sandra Pereira Braga. Entre os apontamentos está a necessidade de alterar o Art. 7º- A que afirma que somente quilombolas que comprovem residência nas comunidades de origem podem receber a Bolsa Permanência durante a graduação em universidades federais. Conforme a CONAQ, com esta condição, muitos quilombolas em situação de vulnerabilidade deixarão de receber o benefício já que não é possível morar na comunidade e estudar ao mesmo tempo.

“Muitos necessitam deixar suas comunidades por questões de logística e acesso, tanto à universidade, como até mesmo o ensino médio, pois essas instituições ficam, em sua grande maioria, em centros urbanos. O Estado brasileiro não pode negar o direito dos quilombolas, que necessitam deixar seus territórios para estudar”, informa o documento. 

A CONAQ afirma ainda que a Constituição Federal de 1988 não retira o direito do reconhecimento pela localização. “Este reconhecimento não é apenas do local, mas, sobretudo de identidade”, afirma.

O documento chegou ao gabinete do deputado federal Bira do Pindaré (PSB/MA), que é o relator do projeto e o primeiro presidente da Frente Parlamentar Mista Quilombola no Congresso, formada em julho de 2018. O deputado confirmou que teve acesso ao ofício. 

“Recebi um ofício importante da CONAQ com contribuições muito valiosas a respeito da defesa do direito de acesso às universidades, contemplando também os quilombolas, que é um segmento fundamental de representação da população negra em nosso país. Simboliza a resistência e luta de um povo que enfrentou a escravidão e ainda enfrenta as sequelas de todo um período nefasto que deve ser abominado por todos nós”, disse. 

Segundo o parlamentar, vários grupos estão sendo ouvidos. “Estamos procurando escutar todos os segmentos da sociedade para construir um relatório o mais próximo possível daquilo que a população necessita, sobretudo para fortalecer essa política pública que tem trazido grandes resultados para o nosso país, buscando também a inovação e ampliação desse direito”, afirmou. 

Ele afirmou que enquanto existir desigualdade racial em respeito ao acesso às universidades, a Lei de Cotas deve ser mantida. “Sabemos que o momento não é simples, não é fácil. Enfrentamos um governo que é racista e contra a lei de cotas, mas estamos fazendo o máximo que a gente pode para resistir. A nossa estratégia é de resistência”, ressaltou.

 

 

 

Estudantes em luta 

A instabilidade na oferta de cotas e da bolsa permanência preocupa estudantes de todo o Brasil. Em 2021 jovens quilombolas e indígenas fizeram mobilizações em Brasília.  No mês de outubro eles realizaram o 1º Fórum Nacional de Educação Superior Indígena e Quilombola. 

Com o tema ‘os desafios do acesso e permanência de quilombolas e indígenas no ensino superior brasileiro’, o evento foi organizado em forma de acampamento, instalado no espaço da Fundação Nacional de Artes (Funarte), em Brasília.

Na época os estudantes, segurando bandeiras, estiveram na Câmara dos Deputados, conversaram com os parlamentares e falaram sobre a necessidade de manter os auxílios. Os jovens também estiveram na sede do Ministério da Educação (MEC) para cobrar respostas sobre a política de cotas e sobre a bolsa permanência, que deixava de ser ofertada para centenas de universitários de todo o Brasil. 

Eles destacaram que muitos indígenas e quilombolas podiam abandonar os cursos de ensino superior porque não conseguiam se manter sem auxílio financeiro fora dos territórios, onde estão as universidades. Os jovens quilombolas e indígenas também foram recebidos por representantes da Secretaria Especial de Articulação Social e por defensores públicos, que disseram que cobrariam respostas ao Governo Federal sobre a situação. 

Com o passar do tempo, os estudantes continuam inseguros.  Aline Lemos de Almeida pertence ao quilombo Passagem, no município de Monte Alegre, no Pará, e integra um coletivo de estudantes quilombolas. A jovem que participou de atos em Brasília cursa Direito na Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) conta que os estudantes se mobilizaram porque queriam respostas sobre a revogação e suspensão de benefícios durante a pandemia. 

“Em outubro ficamos uma semana acampados. Era resistência diária. Em 2020 já não estava tendo mais abertura do sistema da Bolsa Permanência, que abria duas vezes por ano desde que o programa foi implementado. A gente estava no meio de uma pandemia e iniciou o semestre. Houve uma suspensão das aulas, mas os alunos que vêm de outros municípios precisavam dessa bolsa para subsidiar seus gastos”, conta. 

A jovem diz que estudantes estão com medo de que o benefício deixe de existir e que os espaços não sejam mais frequentados por indígenas e quilombolas.

“Essa bolsa é fundamental para que a gente conclua o curso. Ela nos dá tranquilidade para que a gente consiga se formar. É importante que a gente tenha conhecimento que a gente ingressou por conta de lutas das nossas lideranças. Apesar das dificuldades, muitos quilombolas já se formaram”, disse Aline Lemos.

Imagem de Capa: Holdry Oliveira, do quilombo Carrapatos da Tabatinga – MG | Foto: Luiz Paulo @oinstadoluizpaul

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