06 jan

MALUNGU: UMA HISTÓRIA DE LUTA E RESISTÊNCIA CONTRA O RACISMO E DEFESA DOS DIREITOS QUILOMBOLAS NO ESTADO DO PARÁ

Por Marcio Nascimento (MALUNGU)

Mês da Consciência Negra

Neste mês celebramos o Dia Nacional da Consciência Negra, em 20 DE NOVEMBRO, em memória à morte de Zumbi dos Palmares, assassinado em 1695, último líder do maior Quilombo das Américas. A saber: o Quilombo de Palmares, considerado o primeiro espaço de construção da brasilidade, visto que representava uma república autônoma dentro da colônia escravista.

Vamos falar da MALUNGU (Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará), organização que é referência na luta em defesa dos direitos (humanos) fundamentais das comunidades quilombolas no estado do Pará. Neste sentido, vamos tratar neste artigo dos avanços, entraves e desafios da política quilombola, considerando o protagonismo da referida organização.  Mas, antes de entrar especificamente no foco dessa questão, faremos um breve relato histórico dos quilombos no Brasil.

Ao falarmos em quilombo, surge no imaginário de muitas pessoas a ideia de um local isolado, formado a partir da fuga de negras e negros durante o período da escravidão no Brasil. Mas, além dessa origem que já conhecemos, a antropologia aponta para o fato de que muitas das comunidades hoje existentes foram estabelecidas em terras oriundas de heranças, doações, pagamento em troca de serviços prestados ou compra de terras, tanto durante a vigência do sistema escravocrata quanto após sua abolição.  

Dito isso, cabe ressaltar que os QUILOMBOS foram a forma mais politizada e radicalizada de resistência do negro escravizado durante os 388 anos de escravidão vivenciados no Brasil. Ora, enquanto as autoridades da época da escravidão consideravam quilombo como reduto de escravos fugidos, isto é, criminalizando quem residisse nele, para os africanos quilombolas, ao contrário, significava comunidade em solidariedade, em convivência e comunhão existencial, por isso os quilombos agregavam todas as raças, credos  etnias, acolhendo aqueles que não encontravam espaço na sociedade proposta pelos portugueses, independente da cor da sua pele.

Ressalta-se que esse processo de criminalização/marginalização dos quilombos no período escravocrata do Brasil jogou, ao fim da escravidão, os quilombos numa situação de invisibilidade jurídica, fato que só veio mudar com a garantia do DIREITO À TERRA explicitado no Art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais e Transitórias (ADCT), da Constituição Federal de 1988, ou seja, é esse fato histórico, 100 anos após o fim da escravidão, que  tira os quilombos da invisibilidade jurídica.

Durante esses 100 anos de invisibilidade jurídica, a população negra e quilombola foi sujeitada a diversas formas de discriminação e negacionismo de direitos pelo Estado brasileiro. Aliás, desde a LEI DE TERRAS DE 1850 (LEI Nº 601), que passava a dispor, pela primeira vez na história, sobre a regularização fundiária no Brasil, já tínhamos um processo excludente, uma vez que a referida Lei restringia o acesso à terra pela compra, na tentativa de impedir os negros  de terem legalmente um pedaço de chão. Ou seja, a LEI DE TERRAS não objetivava somente regularizar a situação fundiária no Brasil, mas tinha como objetivo principal dificultar o acesso à terra por parte do povo negro, principalmente quilombola. 

Assim, com o fim da escravidão no Brasil, passamos a ter um processo de exclusão dos negros da sociedade e do trabalho, visto que o governo não se preocupou em integrá-los à sociedade. Muitos enfrentaram diversas dificuldades para conseguir emprego, moradia, educação e outras condições fundamentais de vida.

Nesse espaço de tempo, o governo inicia o processo de EMBRANQUECIMENTO, que se deu pela massiva imigração europeia e asiática para substituir a mão de obra escrava. Dava-se terra para os estrangeiros, enquanto para os negros havia negação desse direito.

Nessa narrativa histórica, percebe-se que a população negra e quilombola do Brasil foi e ainda é afligida por toda sorte de problemas sociais decorrentes do racismo estrutural, institucional e ambiental, sobretudo na atual conjuntura política do país, onde vemos, diariamente, isso de forma mais realçada, mais evidente.

Feita essa narrativa, passemos a tratar dos avanços, entraves e desafios da política quilombola, considerando o protagonismo da MALUNGU nos seus 20 de luta antirracista em defesa dos territórios quilombolas no estado do Pará.

A organização da MALUNGU teve início em novembro de 1999 no município de Santarém, localizado na região paraense do Baixo Amazonas, quando foi criada, naquele momento ainda em caráter provisório, com o propósito de defender, com resistência e identidade, os direitos humanos fundamentais das comunidades quilombolas do estado do Pará. Em março de 2004, a MALUNGU foi oficialmente fundada, ganhando personalidade jurídica. Sua missão é articular e fortalecer a luta das comunidades e associações quilombolas em defesa e garantia dos direitos sociais, políticos, culturais, ambientais e econômicos dos seus territórios, pautando-se nos valores da ética, solidariedade, coletividade, igualdade de gênero, respeito, antirracista, antifascista, democrático, entre outros.

Atualmente, a MALUNGU congrega cerca de 200 (duzentas) associações quilombolas que representam mais de 528 comunidades, localizadas em 65 municípios do Pará.

A palavra MALUNGU tem origem africana e significa COMPANHEIRO, PARCEIRO, isto é, pessoa da mesma condição. Os negros escravizados que vinham para o Brasil se referiam aos seus colegas de viagem (nos navios negreiros) como “meu malungo”. Por isso, tal palavra foi escolhida para nomear a organização político-institucional, demarcando, ao mesmo tempo, nossa ancestralidade e nossas aspirações para o presente e o futuro.

Faz-se importante mencionar que a MALUNGU é uma organização composta genuinamente por lideranças quilombolas, reconhecida mundialmente. Aliás, esse reconhecimento é fruto da dedicação e esforço de todas as lideranças que ajudaram a criar e a tocar as atividades da MALUNGU, demonstrando ao longo do tempo um trabalho coletivo significativo, de suma importância para o fortalecimento do povo quilombola.

Agora passemos a falar das principais conquistas coletivas da MALUNGU.

Ao longo da sua existência a MALUNGU, na realização de sua missão institucional, tem buscado garantir, no âmbito do estado do Pará, a efetivação de políticas públicas e ações privadas que venham beneficiar o povo quilombola.

Graças a Deus, ao logo desse tempo, a MALUNGU, com uma atuação bastante participativa e propositiva, tem conseguido muitos avanços em temas importantes, exemplo disso é o fato do Pará ser o estado que mais titulou territórios quilombolas no Brasil. Até agora foram concedidos 70 títulos que beneficiam cercar de 145 comunidades quilombolas. 57 deles foram emitidos pelo Instituto de Terras do Pará – ITERPA (sendo 02 deles expansão de área de território titulado), 12 pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e 01 pela Fundação Cultural Palmares.  Aliás, o maior território quilombola titulado no Brasil é aqui do Pará, o quilombo de Cachoeira Porteira, em Oriximiná, com 225 mil hectares.

Outro exemplo é o Processo Seletivo Especial (PSE), instituído pela Universidade Federal do Pará (UFPA), em 2012, e que contou com a participação da MALUNGU e do CEDENPA no processo de discussão e aprovação de tal política de ação afirmativa. O PSE  já possibilitou  o ingresso de cerca de 2  mil quilombolas no ensino superior público somente na referida universidade. Outras universidades como a UNIFESSPA e a UFOPA, espelhadas na ação da UFPA, também criaram reservas de vagas para quilombolas através de processo seletivo diferenciado.

A Política Estadual para as Comunidades Remanescentes de Quilombos (Decreto 261, de 22 de novembro de 2011) foi instituída pelo Governo do Pará a partir da provocação da MALUNGU. Ela constituiu também a Comissão Estadual de Políticas para as Comunidades Quilombolas do Pará, composta por 07 representantes quilombolas (indicados pela MALUNGU) e 07 representantes governamentais.

Embora tenhamos avançado nessas questões muito ainda precisa ser feito, ainda mais nesse atual cenário político e social que estamos vivendo não só em nível de governo federal, mas também em nível de governo estadual. Em quase 02 anos de governo Helder Barbalho, por exemplo, não temos nenhum território quilombola titulado. Aliás, esse governo sequer atende os nossos pedidos de audiência para tratar da política estadual quilombola.

Por isso, torna-se extremamente necessário adotarmos outras estratégias de luta para enfrentamento a esses descasos governamentais. O movimento quilombola não pode mais ficar ocupando prédios públicos ou fazendo o bloqueio de vias públicas para chamar a atenção do governo (qualquer que seja ele) a fim de exigir os seus direitos. O movimento quilombola precisa trabalhar estratégias de organização política, discutindo nas suas bases sobre a necessidade de unir forças para conquistar espaços políticos cruciais para o fortalecimento do movimento, seja elegendo representante às câmaras municipais, Assembleia Legislativa e quem sabe  para o Congresso Nacional, podendo, assim, discutir e propor, no âmbito Legislativo, a efetivação de políticas públicas especificas para o povo quilombola.

 

 

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