14 abr

Governo de Alagoas exclui povos quilombolas do grupo prioritário de vacinação

 

Entidades sociais e Ministério Público denunciam a não priorização dos quilombolas de Alagoas na imunização contra a Covid-19; Uma carta de recomendação foi encaminhada ao Governo do Estado pressionando para que um cronograma seja estabelecido

 

Texto: Victor Lacerda Edição: Lenne Ferreira 

Na contramão do direcionamento do Governo Federal, resultado da luta da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 742 para priorização da imunização das comunidades quilombolas, o Governo do Estado de Alagoas, em seu plano estadual de vacinação não garante a priorização do acesso à vacina contra a COVID-19 para esta população.

 A denúncia foi feita pelo Instituto do Negro de Alagoas (INEG/AL) e endossada pelo Ministério Público, que encaminhou, na última segunda-feira (12), uma carta de recomendação na tentativa de pressionar a gestão estadual. Líderes do Estado reafirmam a importância e urgência da imunização de todas as 70 comunidades certificadas, além das 47 não certificadas.

De acordo com a documentação expedida, o Governo do Estado de Alagoas descumpre o Art. 2º da Lei 14.021/2020, que caracteriza os povos quilombolas como segmento que vive em condição de extrema vulnerabilidade socioeconômica. Dois pedidos foram feitos em caráter imediato: o estabelecimento de um cronograma de vacinação para povos e comunidades tradicionais quilombolas e ribeirinhas e a distribuição das doses necessárias aos grupos ribeirinhos e quilombolas à Rede de Frio de imunobiológicos municipais, nas localidades onde estão situadas às comunidades.

Em conversa com a Alma Preta Jornalismo, o integrante do Núcleo de Advocacia Racial do INEG, Jônatas Menezes, afirma que entre os estados que compõem o Nordeste, em levantamento prévio encaminhando ao Ministério Público para recomendação, Alagoas é o único que não apresenta ações efetivas quanto à proteção da população quilombola no combate à COVID-19. Ele reitera que a postura da gestão política só reafirma o racismo sistemático presente na região. 

“Demandas como essa são somadas aos processos de abusos e tentativas de apagar a história aqui no Estado. Na realidade, infelizmente, essa é mais uma atitude, entre tantas outras, que acabaram por motivar a criação do Instituto do Negro de Alagoas e outras instituições. Em relação à priorização na vacinação, nós gostaríamos que o processo fosse acelerado e o que está na legislação brasileira fosse respeitado o quanto antes. É a saúde de uma população tradicional que está em discussão, que se encaixa em um quadro de vulnerabilidade social que não é de agora”, complementa Menezes.

Como anexo ao fato, o INEG aponta um Boletim Epidemiológico, apresentado no dia 26 de agosto de 2020, pelo Ministério da Saúde, que mostra: 41% dos óbitos relacionados ao coronavírus ocorrem na população negra. Para a entidade, a problemática estrutural de política pública em relação à disparidade racial no acesso à saúde foi reconhecida pelo próprio Governo de Alagoas, que, por meio de sua Secretaria de Estado do Planejamento, Gestão e Patrimônio (SEPLAG), no ano de 2015, publicou um estudo sobre as populações Quilombolas de Alagoas, no qual constata aspectos de vulnerabilidade social.

Trajetória de violações

 

Segundo o coordenador pelo Estado de Alagoas, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), Manoel Oliveira ou ‘Bié’, como é conhecido no movimento social, a preocupação com o descompromisso da gestão pública local não é algo recente. 

“Nós começamos com a insegurança diante do não cumprimento ao Plano Nacional quando o Governador do Estado havia firmado compromisso, em primeiro momento, e depois manteve a população indígena como prioridade e fez a retirada dos povos quilombolas. Com isso, entregamos um ofício no dia 27 de janeiro cobrando uma postura da gestão, seguimos em reunião com a SESAU [Secretaria de Estado da Saúde de Alagoas], mas o retorno que tivemos era que um estudo estava sendo feito para formulação de um calendário e até hoje não nos foi apresentado”, afirma.

Ainda segundo o coordenador, a falta de compromisso com a saúde dos povos tradicionais é uma constante e, com a pandemia de COVID-19, as problemáticas apenas se acentuaram. “Somos da terra de Zumbi, Ganga Zumba, de Dandara. Ao que parece, essa importância histórica e racial só é lembrada para agradar ao turismo e aos poderosos, mas, na prática, os percalços com a preservação das gerações não é levada a sério. Estamos lutando pela priorização, algo que é um direito nosso, mas só receberam aqueles que entraram por recorte de faixa etária. O grupo de risco vai além disso dentro das comunidades, além da falta de um acompanhamento sanitário efetivo. O que se estende a negligência no registro das secretarias municipais, que por vezes não sinalizam quem é quilombola ou não”, denuncia Santos.

A CONAQ aponta ainda que a postura difere dos compromissos firmados com os coordenadores quilombolas do Nordeste – agentes sociais que têm buscado assegurar a priorização da vacinação – e os gestores estaduais. Como expectativa, a entidade juntamente com o INEG e o Ministério Público aguardam a chegada do novo lote de vacinas prevista para esta quinta-feira (15), confirmada pelo Governador do Estado à imprensa, apenas.

Procurada pela Alma Preta Jornalismo, a assessoria de comunicação da Secretaria de Estado da Saúde de Alagoas, até o fechamento da publicação, não apresentou retorno.

Imagem de capa: Vrin Resende/Mídia Ninja

Share This