30 nov

Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas tem primeiras aulas com alunas e professoras após lançamento emocionante

Por Letícia Queiroz

“Nós mulheres negras somos potências e eu quero ser respeitada pela minha identidade” – Foi o que disse uma das estudantes na primeira aula da Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas. No encontro virtual, as meninas aprovadas falaram sobre processo de reconhecimento como quilombolas e autoidentificação, vivências nas comunidades, antirracismo, experiências e dificuldades nas escolas, entre outros assuntos.

O projeto da Coordenação Nacional de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) e apoiado pelo Fundo Malala teve suas primeiras aulas ministradas neste fim de semana. No sábado (27), alunas e alunos quilombolas e as professoras aprovadas se encontraram com as monitoras em salas de aulas online.

As aulas iniciais aconteceram dias após o lançamento oficial, que foi marcado por muita emoção e alegria com falas das meninas que provaram que serão futuras lideranças. Assista a live completa abaixo:

 

Givânia Maria da Silva, coordenadora do projeto, diz que o início da Escola trás alegria e certeza de um futuro com muitas mulheres fortes. “É uma alegria que não é possível mensurar. Primeiro porque é uma experiência inédita, inovadora, que somos pioneiras. Segundo porque foram muitos desafios até aqui”, disse.

A educadora conta que o lançamento e a primeira aula mostraram que o projeto será um sucesso.

“A  Escola começou brilhando, começou linda. Nós, as meninas e as professoras estão muito empolgadas. Nós esperamos que daqui a dois anos a gente possa ter contribuído efetivamente para o processo de formação dessas meninas, consequentemente com o processo de novas lideranças que fortaleçam as lutas territoriais quilombolas e a garantia de direitos”, disse.

A primeira aula, no turno matutino, foi para professoras e professores quilombolas ou envolvidos com a educação quilombola. O encontro com aprovadas/os e começou às 9h e na oportunidade o projeto pedagógico da Escola Nacional foi apresentado com detalhes por Gessiane Ambrósio, que é educadora, integra o Coletivo de Educação da CONAQ.  As professoras se apresentaram, conheceram umas às outras, e falaram sobre experiências nas salas de aula e da necessidade da potencialização da educação escolar quilombola.

À tarde, a partir de 14h, estudantes também conheceram todo o projeto pedagógico, puderam tirar dúvidas e participar durante todo o encontro. As meninas e meninos tiveram um tempo para apresentação. Em outro momento, todas e todos compartilham como foi o processo de reconhecimento como quilombola. Algumas alunas aproveitaram para falar como tem sido a experiência na escola convencional onde são matriculadas.

Para não expor alunas e alunos que contaram suas histórias nas aulas fechadas, as identidades delas não serão reveladas.

Uma das alunas tem 17 anos e durante a aula falou que a questão do antirracismo nas escolas precisa ser tratada com urgência. “Sofremos muitos preconceitos quando a gente sai. O racismo entra muito. Então trabalhar essa questão antirracista é muito importante”, disse.

No encontro, as adolescentes foram incentivadas a expor suas opiniões. Ao contarem como foi o processo de reconhecimento como quilombolas, algumas alunas disseram que compreenderam a própria história recentemente. Outras cresceram ouvindo relatos dos mais velhos e conhecendo culturas dentro da comunidade.

Durante o primeiro encontro as estudantes entenderam como serão as atividades e toda a metodologia. Entre as questões abordadas estão a necessidade da reflexão sobre o antirracismo, episódios de machismo e outros comportamentos que rebaixam mulheres, principalmente as negras. “A partir dos conteúdos das aulas vocês vão aprender a identificar. São coisas tão arraigadas nas nossas relações sociais que às vezes a gente não vê, passa despercebido ou a gente reproduz sem saber que está reproduzindo racismo e machismo. Nós aprenderemos, cada vez mais, a refletir sobre isso”, explicou Gessiane durante apresentação do projeto.

Uma aluna disse que entende que a luta é maior quando as vítimas são mulheres. “A gente tem que lutar contra esse racismo. Principalmente as mulheres, que sofrem muito por sua cor”, disse.

Outra menina de 15 anos desabafou sobre o racismo que sofre ao sair de casa. “Nós mulheres negras a gente sofre um certo preconceito por causa do nosso cabelo. Nós somos potência. E a minha identidade é o meu cabelo cacheado. Eu quero ser respeitada pela minha identidade. Me sinto uma mulher diferente e nova quando deixo meu cabelo natural. Eu queria ter esse respeito. Não só por mim, não só pela nossa nação, mas pelo mundo todo, que ainda sofre preconceito, racismo”, disse outra aluna.

Uma das alunas falou que entende a necessidade de se posicionar para alcançar seus objetivos. “A gente sempre tem que ir atrás, independente de qualquer coisa, até conseguir o que a gente quer. Nunca temos que nos rebaixar para outras pessoas. Se falarem: ‘não. Isso não é para você. Você tem que desistir’. A gente tem que lutar”, disse.

As professoras também celebraram após compartilharem suas dificuldades.

“Estar participando dessa formação, da Escola Nacional, vai contribuir muito. É muito bom ouvir cada uma de vocês e sentir que a nossa luta é, mesmo distante, está alinhada. Nossa luta está alinhada. Estamos travando as mesmas batalhas nos espaços que ocupamos. Percebo que participar de um curso como este vai nos dar mais força para a nossa resistência”, disse uma das professoras que participa do da Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas.

 

A Escola Nacional

A formação será um espaço de estímulo e de luta para meninas e meninos quilombolas que enfrentam defasagens e desigualdades na educação e sentem-se ainda mais longe de realizarem o sonho de entrar nas universidades. O projeto, que está na primeira edição, recebeu 444 inscrições de todas as regiões do Brasil. O processo de avaliação selecionou 50 estudantes quilombolas (39 meninas e 11 meninos) e 40 professoras e professores.

Ao longo do Escola – que é totalmente online – serão discutidos temas sobre a história das comunidades quilombolas, questões de gênero, raça e território, combate ao racismo, engajamento na luta política do movimento quilombola, entre outros. Para participar, as/os estudantes receberam tablets e acesso à internet. As meninas comemoraram a conectividade.

Após a formação, espera-se contribuir para o protagonismo de meninas quilombolas cada vez mais investidas na defesa da cultura, dos valores, do território e da educação quilombola, denunciando e cobrando o Estado.

 

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