6 de fevereiro de 2024
Jovens da Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas comemoram aprovações em universidades
Quatro jovens do projeto vão começar os cursos de Administração, Direito, Engenharia Civil e Enfermagem
Alunas da Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas, projeto da CONAQ apoiado pelo Fundo Malala, estão comemorando, em suas comunidades, as aprovações em universidades. Quatro jovens do projeto vão começar os cursos de Administração, Direito, Engenharia Civil e Enfermagem no primeiro semestre deste ano. Entre os sonhos das estudantes está a vontade de retornar ao território com o diploma para contribuir com a comunidade.
As jovens são Maria Leontina quilombola de Conceição das Crioulas, em Salgueiro (PE); Rafaela Soares de Souza, do quilombo de Agreste, em São João da Ponte (MG); Maria Clara Nascimento de Oliveira, da comunidade Quilombola Dilô Barbosa, em São Mateus (ES); Isabely Gomes Bispo, da comunidade quilombola do Monte Recôncavo, em São Francisco do Conde (BA).
Elas são jovens ativistas que lutam por educação quilombola de qualidade. Há mais de um ano as estudantes participam de encontros virtuais da Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas que estimulam estudantes quilombolas a lutarem por educação específica, contra o racismo, machismo e intolerância religiosa, entre outros temas que afetam principalmente mulheres e meninas quilombolas.
A Escola Nacional é um espaço de estímulo e de luta para jovens quilombolas que enfrentam desigualdades na educação e sentem-se longe de realizarem o sonho de entrar nas universidades. Aos poucos elas vão mudando as suas realidades e incentivando outras meninas a valorizarem a educação diferenciada. O projeto tem contribuído para erguer a voz das meninas quilombolas em seus territórios e já tem alcançado exemplos de protagonismo na defesa da educação quilombola, da cultura, dos valores e do território.
Aos 17 anos, Maria Leontina se inscreveu em um vestibular por análise de histórico escolar. Ela foi aprovada nesta modalidade como bolsista na Faculdade Municipal de Petrolina. “Eu fiquei muito emocionada de ter passado. Chorei muito ao ver o resultado. Desde muito novinha eu falo que essa é minha meta. Na matéria de Projeto de Vida e também na Escola Nacional eu sempre falava que queria ser advogada como a nossa monitora Sarah Fogaça”.
A jovem estudou em Escola Quilombola desde a Educação Infantil até o terceiro ano do Ensino Médio. A unidade funciona dentro da comunidade, com atuação de professoras e professores quilombolas.
“Estudo em Escola Quilombola desde sempre. A educação tem transformado a minha vida. Uma coisa que falo muito é que as pessoas menosprezam o nosso ensino, mas isso é um grande exemplo de que o ensino quilombola é bom sim, apesar de não termos privilégios. Ter passado em um curso de direito concorrendo com pessoas que estudaram em escolas particulares é a prova disso. Uma das minhas metas é me formar e voltar para ajudar a minha comunidade na defesa dos nossos direitos”, disse Maria Leontina.
Isabely Bispo, de 18 anos, quilombola da Bahia, fez 920 pontos na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e sempre sonhou em cursar Engenharia de controle de automação e processos ou Engenharia Civil.
“Eu fiquei sem acreditar quando vi o resultado, eu tinha sido aprovada, no processo seletivo do SISU. Estudei dentro do possível, tinha atenção redobrada nas aulas e, mesmo com foco no Enem 2023, tentei curtir meu último ano no colégio. Minha pontuação me deu a oportunidade de voltar a sonhar. Foi incrível saber que meus planos estão dando certo, que as noites em claros estudando não foram em vão. Espero aprender muita coisa com o curso e ser uma ótima profissional, pretendo no futuro retornar meus conhecimentos para minha comunidade, inspirando jovens ou ajudando eles de forma mais dinâmica”, disse Isabely.
“Pretendo, assim que me formar, voltar para minha comunidade, trabalhar aqui e contribuir o máximo que eu puder, suprir a ausência de enfermeiros dentro da comunidade”. Foi o que disse Jane Rafaela Soares de Souza, de 17 anos.
Sua aprovação se deu através de um vestibular municipal. Ela passou por um processo seletivo e entrou em uma faculdade particular como bolsista.
“Fiquei muito feliz. Enfermagem não era a minha primeira opção de curso. Meu sonho é cursar psicologia, mas irei continuar tentando. Com o curso espero aprender além da enfermagem, gosto de cuidar e ter empatia pelo próximo, acredito que a enfermagem assim como a psicologia tem essas duas coisas como princípio. Mais adiante quero me especializar em saúde mental e até mesmo me graduar em psicologia. Quero aplicar meus conhecimentos dentro da minha comunidade”, disse.
Maria Clara foi aprovada em Administração e vai estudar de forma híbrida, com atividades presenciais e à distância.
“Espero que meu curso possa me possibilitar diversas oportunidades e experiências que até hoje não tive. Tenho fé que até o final do curso já estarei atuando em alguma área de meu interesse. E pretendo ajudar minha comunidade quilombola no futuro”, afirmou a jovem.
Givânia Silva, cofundadora da CONAQ, coordenadora da Escola Nacional e do Coletivo de Educação da CONAQ, comemorou com as jovens as aprovações.
“Nós que fazemos a Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas, queremos dividir com todas e todos quilombolas do Brasil através da CONAQ e com as famílias das jovens Maria Leontina, Jane, Maria Clara e Isabely a alegria de vê-las se encaminharem para o ensino superior. Tenho certeza que as trocas e aprendizagens que tivemos no projeto da CONAQ servirão como alicerce para elas nessa nova fase da trajetória educacional. Parabéns! Espero que o empenho e dedicação de vocês, sirvam de inspiração para outras meninas quilombolas em todo Brasil. E que possamos ter mais jovens quilombolas nas universidades, levando consigo seus territórios por meio da história, luta e resistência de nosso povo”, disse Givânia.
A Escola Nacional
A Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas é uma iniciativa do Coletivo de Educação da CONAQ. A Escola é um espaço de estímulo e de luta para meninas e meninos quilombolas que enfrentam defasagens e desigualdades na educação e sentem-se ainda mais longe de realizarem o sonho de entrar nas universidades.
O projeto é apoiado pelo Fundo Malala, que incentiva ações de educação com foco em meninas quilombolas, negras e indígenas. A Escola Nacional conta com 39 meninas e 11 meninos quilombolas de todas as regiões do país em 21 estados.
Ao longo do projeto são discutidos temas sobre a história das comunidades quilombolas, questões de gênero, raça e território, combate ao racismo, engajamento na luta política do movimento quilombola, entre outros.
Após a formação, espera-se contribuir para o protagonismo de meninas quilombolas cada vez mais investidas na defesa da cultura, dos valores, do território e da educação quilombola, denunciando e cobrando o Estado.
Texto por Letícia Queiroz, publicado às 17:10:00
Categoria: Educação