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Emoção e protagonismo feminino marcam encontro da Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas
24 de agosto de 2024

Emoção e protagonismo feminino marcam encontro da Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas

Evento da primeira turma do projeto reuniu estudantes, professoras/es, lideranças quilombolas, autoridades e ativistas de vários estados.

Entre os dias 20 e 22 de agosto foi realizado, em Brasília, o I Encontro da Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas da CONAQ. Com o tema “Lute Como Uma Menina Quilombola”, o evento encerrou o fim das primeiras turmas do projeto e celebrou o sucesso da iniciativa inovadora que fortaleceu a luta de jovens estudantes de territórios de todas as regiões e biomas do país. Nas mesas, as alunas do projeto falaram sobre suas experiências, cotidiano, dificuldades para terem acesso às escolas e a triste realidade de não conseguirem concluir todas as etapas do ensino básico dentro de suas comunidades.   

Os três dias foram repletos de atividades e troca de conhecimento entre estudantes, professores, ativistas, griôs e lideranças quilombolas. Além das mesas de debate com presença de autoridades, o evento contou com audiência no Senado Federal, roda com troca de saberes ancestrais, lançamento de livretos sobre o projeto e com histórias das meninas quilombolas e homenagens a Maria das Graças, Mãe Bernadete, Mãe Sebastiana e Negro Bispo.

A cerimônia de abertura foi realizada no Auditório do Ministério da Educação (MEC). Participaram da primeira mesa Givânia Silva, co-fundadora da CONAQ e coordenadora da Escola Nacional, Sandra Braga, coordenadora da CONAQ, Élida Lauris, da coordenação colegiada da Escola Nacional, Zara Figueiredo, secretária da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (SECADI/MEC), a Ministra das Mulheres, Cida Gonçalves,  Isabella Milanezzi, da Porticus,  Paula Balduino, Diretora de Políticas para Quilombolas e Ciganos (MIR), Stephanie Matos, Isadora Silva, Rhuany Batista, Vanessa Moreira e Débora Mafra, integrantes da Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas representantes das cinco regiões do país. 

Givânia Silva incentivou as meninas na luta e falou sobre a força da juventude nas comunidades quilombolas.

“Não podemos deixar vocês irem embora, desistirem da luta e desistirem dos seus sonhos. Vocês, meninas, são o presente e o futuro. Ninguém venha dizer que os jovens não querem estar no território. Querem estar sim, e com dignidade. Com educação de qualidade. O meu pedido é que não desistam”, disse. 

As autoridades presentes vibraram com o resultado da Escola Nacional. A ministra Cida Gonçalves enfatizou a importância de abordar pautas que estão diretamente ligadas  à vida de diversos jovens quilombolas. “Não dá para discutir desigualdade ou igualdade entre homens e mulheres, se nós não discutimos essa realidade e o que é que o racismo, onde o racismo colocou as mulheres negras na história. Com isso eu quero dizer da importância da Escola. Porque a Escola não é só um espaço de você ser educado como a escola formal educa, mas é um espaço onde você forma lideranças que criaram raízes no seu território”, pontuou.

A secretária da Secadi/MEC, Zara Figueiredo, chamou a Escola Nacional de incidência política qualificada pelo direito à educação. “Isso é absolutamente necessário. Quando vocês dizem que a função da Escola Nacional é levantar as vozes sobre o direito à educação e das desigualdades educacionais, isso significa colocar o território no centro do debate da política educacional. Nós estamos construindo isso com vocês, eu acho que isso é o maior orgulho da Secadi, desde a sua reconstrução”, afirmou. 

Na tarde do dia 20 ocorreu a mesa direcionada para a luta pela política de educação quilombola ao longo dos anos. Representando o Coletivo de Educação da CONAQ e a Comissão Nacional de Educação Escolar Quilombola (CONEEQ) Mária Páscoa Sarmento falou como tem ocorrido o processo para fortalecer e evidenciar os direitos das comunidades quilombolas em relação à educação em todo o Brasil. “Estamos dando continuidade às ações da Comissão Nacional de Educação Escolar Quilombola, que é composta por 10 pessoas quilombolas e mais membros da sociedade civil organizadas e instituições que têm lutado pela educação das relações étnico-raciais. Então, é um conjunto de pessoas que estão na CONEEQ ajudando o MEC, assessorando o MEC enquanto comissão, para garantir a efetivação da política de educação escolar quilombola. Então é mais um lugar de afirmação que é compromisso ético e com o nosso coletivo de pensar as políticas públicas”.

Durante a noite, Cleane Silva mediou a roda de conversa com as griôs dona Maria Amélia, do território quilombola do Andirá, no Amazonas, dona Mocinha do Quilombo Pimenteira na Bahia, Benedito Alves da Silva (Ditão), do Quilombo Ivaporunduva em São Paulo, Lucely Pio do Quilombo Cedro, no Goiás. Também participaram Vercilene Dias e Nathalia Purificação coordenadoras jurídica e de comunicação da CONAQ, a primeira promotora de justiça quilombola, Karoline Maia, e as jovens da Escola Nacional, Ana Clara Alves, Flávia Vitória Barbosa, Vanessa Moreira, Rhuanny Batista, Paulo Silvio, Mariana de Jesus e Marcelly Cristina.

Na ocasião ocorreram várias trocas de experiências onde foi possível aprender sobre o poder de plantas medicinais, a importância de ter o conhecimento do manejo da terra e cultivos de alimentos e outros ensinamentos passados de geração em geração. Vercilene e Karoline Maia expuseram relatos sobre casos de racismo e situações de desigualdade que enfrentaram desde o ensino básico até o fim da graduação. A promotora motivou meninas a realizarem os sonhos que tiverem, apesar das barreiras e desmotivação e racismo estrutural.

Na quarta (21) a mesa com mediação de Vanessa Rocha, coordenadora de Articulação da Escola Nacional, teve como tema “o desafio à educação escolar quilombola: primeira infância, formação de professores e acesso ao ensino superior”. Carla Galvão, integrante do Coletivo de Educação da CONAQ, Alessandro Santos, diretor de políticas e diretrizes da Educação Integral Básica-SEB/MEC, Ana Lucia da Silva, Diretora de Políticas e Programas de Educação Superior-SESU/MEC, Ana Laura Donato, Ana Clara Alves e Maria Leontina Nunes Freitas Integrantes da Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas falaram discutiram o assunto.

Duas jovens, que foram aprovadas em vestibulares recentemente, falaram sobre as dificuldades e episódios de racismo enfrentados no ensino superior. Logo após, houve o lançamento da semana universitária Mãe Bernadete, Mãe Sebastiana e Negô Bispo Presentes! A programação deve ser realizada anualmente para relembrar o legado das lideranças quilombolas que integraram a CONAQ e que ancestralizaram deixando um legado.

A programação seguiu para o Senado Federal para Audiência Pública sobre a implementação da educação escolar quilombola no país. Ronaldo dos Santos, Secretario de Politicas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e Ciganos do Ministério da Igualdade Racial, Givânia Silva, fundadora da CONAQ,  Shirley Pimentel, Gabriele Lohanny e Paulo Roberto, ex-secretário de Políticas de Promoção da Igualdade Racial estiveram presentes para relatar o desafio enfrentado pelos jovens das comunidades e levantar pautas necessárias para reverter esse cenário.

Paulo Roberto fez uma apanhado sobre a importância do evidenciamento das  histórias das comunidades quilombolas e das pessoas pretas que necessitam de políticas capazes de promover equidade e reverter o atual cenário que em boa parte os colocam em lugares tidos como inferiores. “A nossa população carcerária, e dessa população 70% pertence à população negra. Dos 9,3 milhões de brasileiros com idade acima de 15 anos e que são analfabetos, dois terços desses analfabetos são pretos e pardos. Mais de 15 mil adolescentes e jovens de até 19 anos foram mortos no Brasil nos últimos 3 anos, dos quais 83% eram pretos e pardos. A chance de um jovem negro ser morto em 21 anos é 4 vezes maior do que a chance de um jovem branco ser morto também. O Estado brasileiro ao invés de investir, na dignidade da população negra, em vez da opção pelo branqueamento, pelo encarceramento em massa e pela exclusão dos descendentes dos escravizados”, argumentou com propriedade.

Gabriele Lohanny, integrante da Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas da CONAQ, exigiu melhorias na educação e pediu que mais projetos como a Escola Nacional sejam realizados para fortalecer lideranças em suas comunidades. “A implementação da Educação Escolar Quilombola traz consigo o fortalecimento da identidade e cultura do nosso povo, contribui para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária para todas nós, acabando de uma vez por todas com o racismo e educando a sociedade a se importar da maneira que deve”, relatou.

Por fim, no terceiro e último dia do evento ocorreu a Mesa 3 – Educação e o Futuro da Juventude Quilombola em questão. Mediada por Maria Aparecida Mendes, a mesa contou com Ronaldo dos Santos, Livia Casseres, Coordenadora Geral de Projetos Especiais sobre Drogas e Justiça Racial – SENAD/MJ, Nathália Purificação, jornalista e coordenadora do Coletivo de Educação da CONAQ, Caroline Amorim, coordenadora de projetos para Juventude Negra/ MIR, Lawanda Barros e Amanda Victória Martins integrantes da Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas. As estudantes falaram sobre a falta de professores e materiais de estudo que dialoguem com os modos de vida de jovens quilombolas. 

O Secretário que, também é uma das pessoas que possui seu nome atrelado a história da CONAQ, explicou como iniciativas como a deste primeiro encontro tem o poder de mudar vidas. “É um encontro de responsabilidades, encontro de perspectivas para que a gente possa alavancar o futuro a partir desses sonhos que foram retroalimentados, que foram estimulados, ou que são, estão sendo, ao longo de todo esse processo, engolimos nossos sonhos, porque nós não somos uma instituição, né, nós ocupamos ela, mas temos também as percepções, desejos e os sonhos”, disse Ronaldo.

Antes do fim do evento inaugural ocorreu o lançamento da carta compromisso do I Encontro da Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas da CONAQ com a presença da primeira turma de estudantes do projeto. Após a leitura dos pontos de compromissos, a mesma foi aprovada por unanimidade. 

A mesa de encerramento foi composta por Jhonny Martins de Jesus, diretor/presidente da Negra Anastácia, Givânia Silva, Cleane Silva e Élida Lauris. As lideranças que possuem um vínculo forte, bonito e emocionante com a CONAQ falaram brevemente sobre os primeiros passos da organização que está prestes a completar 30 anos. Além disso, deixaram nítido em suas falas a felicidade por estarem concluindo um projeto que contribuiu significativamente na vida de meninas, meninos e famílias quilombolas.  

“O nosso futuro, o nosso presente, passa a participar mais dessa atividade, que é tão importante para nós, que é a construção de um novo Brasil, de um novo momento. Falas da questão ambiental, falas da saúde, falas da educação, e Givânia sabe que eu sou apaixonado por essa causa, eu acredito que a educação transforma não só pessoas, mas transforma toda a sociedade”, afirmou Jhonny Martins.

Após todos esses acontecimentos marcantes houve ainda um momento onde foi impossível conter a emoção.  Durante o encerramento, coordenadoras e coordenadores da CONAQ e lideranças quilombolas recordaram o início da instituição e fizeram questão de homenagear os membros que se foram recentemente, entre elas, Maria das Graças Epifânio, do Coletivo de Saúde da CONAQ que faleceu em julho deste ano.

Educação quilombola

Desde a criação da CONAQ, em 1996, a luta por uma educação que valorize a história e os saberes do povo quilombola é parte orgânica das lutas do movimento. Apesar das mudanças e de marcos importantes, como a Lei 10.639/03 – que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas – as disparidades raciais na educação básica não foram superadas, gerando uma desvantagem grave para a população quilombola. Cenário que meninas e meninos da Escola Nacional da CONAQ estão decididos/as a mudar. 

Ativistas de educação da CONAQ têm trabalhado em diferentes territórios, contribuindo para o debate sobre diretrizes curriculares e projetos político-pedagógicos de educação quilombola. Esse trabalho tem influenciado mudanças nas práticas e nas políticas pedagógicas em estados e municípios e disputado a melhoria da educação dirigida à população quilombola. Em setembro de 2019, a CONAQ criou na sua organização interna o Coletivo Nacional de Educação Quilombola, formado por professoras e professores quilombolas de todo o país.

A Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas

A Escola é uma iniciativa inovadora no cenário brasileiro de luta contra as desigualdades na educação. O projeto nasceu para mudar a realidade de empobrecimento e discriminação estrutural das escolas e da educação oferecida nos quilombos. Fundada em 21 de novembro de 2022, com apoio do Fundo Malala, a primeira turma da Escola formou 39 meninas e 11 meninos quilombolas com idade entre 15 e 18 anos, estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental e dos anos iniciais do Ensino Médio. Além de estudantes quilombolas, a primeira turma da Escola também formou 40 professoras e professores quilombolas ou que atuam nas escolas quilombolas. Ela oferece um programa de formação complementar, com objetivo de fortalecer o protagonismo das meninas quilombolas na luta pelos seus direitos, principalmente o acesso a uma educação quilombola diferenciada e com qualidade.

As escolas quilombolas enfrentam problemas de infraestrutura e de qualificação dos profissionais da educação. Esses profissionais geralmente desconhecem os desafios históricos dos estudantes quilombolas. A existência de escolas nos quilombos, bem como a presença de professores e professoras qualificadas, contribuem para que as práticas pedagógicas escolares não afastem estudantes quilombolas do espaço escolar.

Em quase três anos de trabalho, professoras e ativistas quilombolas construíram uma metodologia própria trabalhando junto com a juventude quilombola. Uma metodologia que olha para a realidade de meninas e mulheres quilombolas, ao mesmo tempo em que valoriza a relação da educação com o território e com as lutas do movimento quilombola nos vários municípios e estados onde a população quilombola luta para sobreviver com dignidade. Assim, temos construído caminhos para participação e ativismo das meninas nos assuntos que impactam a sua vida e a vida da sua comunidade, trabalhamos os conteúdos com a pedagogia quilombola e temos combinado os muitos conhecimentos da teoria e da prática que estão vivos em cada quilombo e fazem parte do nosso movimento de resistência.