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3 de junho de 2025

Comunidade quilombola denuncia descaso após desaparecimento de Genivaldo Gato

Após colisão entre lancha de frete e embarcação de apoio à mineração, quilombola segue sumido e familiares acusam autoridades de omissão, apagamento e tentativa de criminalizar a vítima.

A dor que aflige o Quilombo Boa Vista, no Alto Trombetas, é mais que luto: é também revolta. Desde o dia 27 de maio, a comunidade quilombola procura por Genivaldo Gato, conhecido como Gimica, desaparecido após a colisão entre sua lancha e uma embarcação de apoio logístico da mineração. A lancha do trabalhador foi atingida por um dos barcos de suporte utilizados por navios que carregam bauxita para a empresa Mineração Rio do Norte (MRN).

O acidente ocorreu em um trecho do rio Trombetas onde navios ancoram para operações de carga. Ali, rebocadores, lanchas e barcos circulam com frequência, sem qualquer sinalização adequada, conforme denuncia a comunidade. Testemunhas indicam que o impacto na lancha foi lateral — o que contradiz a versão inicial de que Genivaldo teria colidido frontalmente por estar embriagado.

Crédito: Arquivo pessoal.

 

Omissão e silêncio  

Carlene Printes, coordenadora executiva da Malungu e do coletivo Pretas Marias, relata a angústia da comunidade: “A sensação é de abandono. A MRN soltou nota terceirizando a culpa, como se o barco envolvido não estivesse a serviço deles, o que todos aqui sabem que é mentira”.

A Marinha do Brasil chegou à área apenas no final da tarde do dia seguinte ao desaparecimento e autorizou buscas subaquáticas somente na manhã de terça-feira (28), por um curto período: das 10h às 15h. Desde então, não houve continuidade nos esforços oficiais. “Quem busca somos nós, com o pouco que temos. A comunidade mergulha no escuro, no desespero”, diz a liderança.

Segundo moradores, nenhuma autoridade conversou com a família de Genivaldo. Nenhuma equipe oficial esteve presente para ouvir o lado da comunidade, apenas representantes da mineradora foram recebidos e ouvidos.

“A Marinha veio sentar com a MRN. Com a família, ninguém falou. A dor quilombola não tem valor?”, questiona Printes.  É preciso enfatizar que em 2025 completa 30 anos da titulação do Boa Vista, a primeira comunidade quilombola a receber a documentação definitiva do Brasil. Porém, isso não parece ser relevante para as autoridades. Ainda mais que nesse mesmo ano será realizado no estado a COP 30, principal conferência do clima da Organização das Nações Unidas, ONU. 

A rotina da mineração segue

O que mais revolta a comunidade é o comportamento da empresa após o acidente. Rebocadores, navios e demais embarcações continuaram circulando normalmente pelo local do acidente. Nenhuma sinalização foi colocada. Nenhuma interrupção das operações. Nenhuma comunicação com os familiares ou a comunidade.

“O corpo do nosso irmão pode estar no fundo do rio. Mas a rotina da empresa é mais importante do que a vida de um quilombola?”, diz uma nota publicada pela comunidade no dia 30 de maio, após 72 horas do desaparecimento.

Enquanto isso, surgem rumores de que a responsabilidade pelo acidente será atribuída exclusivamente à vítima. A comunidade vê nessa tentativa uma estratégia de apagamento e criminalização típica contra os povos tradicionais. Além disso, familiares seguem aflitos: “Desde o dia que aconteceu, o fluxo de navio continuou, a gente não sabe se foi isso também até que dificultou, porque ao mesmo tempo que poderia se fazer até subir o corpo com o movimento, mas pode também dar extravio no corpo, porque se de repente pegar na hélice, que o navio chega até quase no fundo, e se pegar na hélice com certeza vai extraviar, que se Deus livrar pegar na hélice”, relatou angustiada Anita de Souza Gato, irmã de Genivaldo.

Medo e silêncio

A denúncia é ainda mais grave quando se observa o clima de medo instaurado entre os próprios moradores. Isso porque muitos quilombolas prestam serviço para empresas terceirizadas ou trabalham diretamente para a MRN. O receio de represálias ou da perda da única fonte de renda cala a revolta de muitos.

“Nos intimidam. Dizem que se a gente protestar, suspendem as buscas. E com isso, todos recuam. Nosso povo está com medo de falar. Está refém”, desabafa Carlene.

Justiça adiada, dor prolongada

Passados dias do acidente, o corpo de Genivaldo Gato ainda não foi encontrado. A família não teve direito nem mesmo ao luto completo, impedida de enterrar o ente querido. “O rio é nossa rua, nosso sustento, nossa vida. E é nele que estamos sendo deixados à própria sorte. Sem segurança, sem sinalização, sem respeito.”

A comunidade exige ações concretas: retomada das buscas, investigação transparente, apoio à família e, acima de tudo, respeito.

“Não estamos falando de estatística. Estamos falando de uma vida. De um quilombola que não voltou para casa. E de um território que sangra diante da indiferença”, conclui a nota do quilombo..