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Como a luta da CONAQ resultou na consulta pública da Política Nacional de Saúde Quilombola
25 de março de 2025

Como a luta da CONAQ resultou na consulta pública da Política Nacional de Saúde Quilombola?

Em passo histórico o Ministério da Saúde anuncia a PNASQ, primeira política para quilombolas no SUS

Ao examinar os documentos históricos da Coordenação Nacional de Quilombos (CONAQ), elaborados em sua maioria a partir dos Encontros Nacionais Quilombolas, é possível verificar que as reivindicações dos quilombolas em torno da garantia da saúde figuram dentre as principais demandas desde a Marcha Zumbi dos Palmares, em 1995.

Em carta entregue ao então presidente da república FHC, os quilombolas do Brasil já demandavam em 1995 um melhor financiamento para a Atenção Básica, o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) nos territórios quilombolas, bem como melhores condições de trabalho para as profissionais do SUS, especialmente as Agentes Comunitárias de Saúde (ACS) quilombolas.

No ano 2000, foi realizada a primeira “Oficina Nacional de Saúde Quilombola” no 2º Encontro Nacional da CONAQ em Salvador/BA, a partir daí, instalou-se no movimento a “Coordenação Temática de Saúde Quilombola”, que tempos depois se transformaria no Coletivo Nacional de Saúde Quilombola – Graça Epifânio (CONAQ).

No entanto, foi a pandemia da Covid-19 que representou o principal ponto de inflexão na luta dos quilombolas pela saúde. Tratava-se de uma questão de vida ou morte. A CONAQ teve que ir até o Supremo Tribunal Federal (STF) para que, através da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF N. 742), o governo Bolsonaro fosse obrigado a realizar ações de prevenção ao vírus nos quilombos.

Como a luta da CONAQ resultou na consulta pública da Política Nacional de Saúde Quilombola?

Segundo dados elaborados pela CONAQ, os quilombolas morreram 5% a mais de Covid-19 do que o total da população brasileira. Nesse cenário, além de ir ao STF, a CONAQ construiu e divulgou uma série de boletins epidemiológicos, documentos instrutivos de prevenção contra o vírus e campanhas de promoção da saúde nos quilombos. Ou seja, o movimento realizando o papel do Estado.

As mobilizações da CONAQ em contraponto a necropolitica do governo Bolsonaro na gestão da pandemia nos quilombos, resultou na realização da histórica 1ª Conferência Nacional Livre de Saúde Quilombola da CONAQ (2023), que reuniu cerca de mil e trezentos quilombolas virtualmente, aprovando a proposta de criação da primeira Política Nacional de Saúde Quilombola no SUS, e estabelecendo seus princípios e diretrizes de implementação.

Vale ressaltar que esse processo de mobilização foi protagonizado e liderado por Graça Epifânio (em memória), então Coordenadora Nacional do Coletivo de Saúde Quilombola da CONAQ, que veio a falecer em 2024 vítima do racismo institucional no SUS. Em 2024, Graça Epifânio deu nome ao primeiro Grupo de Trabalho de Saúde Quilombola instituído pelo Ministério da Saúde, através da Portaria GM/MS N. 5794/2024.

A caminhada de lutas da CONAQ pela saúde quilombola, resultou recentemente na publicação da consulta pública da primeira Política Nacional de Saúde Integral da População Quilombola (PNASQ/SUS), que fica no ar até o dia 31/03 na Plataforma Participa Mais Brasil.

A PNASQ/SUS toma por base o conceito de saúde quilombola como “o direito de viver o território em comunidade”, tal como proposto pelo movimento quilombola. Além disso, a política busca articular as duas dimensões da saúde quilombola, sendo a dimensão da saúde ancestral e comunitária, vista nas medicinas quilombolas, além da dimensão institucional da saúde quilombola, vista nas políticas de saúde do SUS.

É preciso reconhecer que os territórios quilombolas produzem a séculos tecnologias de cuidado em saúde, que dentre as suas diretrizes, guardam a necessidade de se produzir vida em harmonia com os saberes da terra. Esperamos que a institucionalização da saúde quilombola através da PNASQ/SUS, possa reverberar na construção de territórios livres, saudáveis e sustentáveis, contribuindo para o aquilombamento do SUS e o antirracismo na saúde. Que a PNASQ/SUS não seja mais um política que reproduza práticas colonialistas de imposição e hierarquização de saberes eurocentrados, em detrimento dos saberes quilombolas ancestrais. Que possamos seguir ancestralizando o futuro e contracolonizando as lutas. Em defesa do SUS e da democracia.

Clique aqui para acessar a consulta pública.

As contribuições da CONAQ nas lutas pelo direito à saúde no Brasil, foram objeto central da dissertação de mestrado intitulada “Aquilombar a saúde, contracolonizar as lutas: o projeto político do movimento quilombola para a saúde no Brasil”, Mateus Brito (PPGSC/ISC-UFBA).

Clique aqui para acessar a dissertação.

Mateus Brito (Quilombola da Lagoa de Maria Clemência/BA, Membro do Coletivo Nacional de Saúde Quilombola da CONAQ, Mestre e Doutorando em Saúde Coletiva pelo ISC/UFBA).

24 de março de 2025. Brasília/DF.