16 de novembro de 2024
Carta aberta ao Governo Brasileiro sobre as titulações dos territórios Quilombola.
Recebemos com entusiasmo as entregas do Governo brasileiro realizadas no último dia 19 de setembro em Alcântara.
Nós, quilombolas, nacionalmente organizadas por meio da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), recebemos com entusiasmo as entregas do Governo brasileiro realizadas no último dia 19 de setembro em Alcântara. Ouvimos com o mesmo entusiasmo o compromisso do Presidente Lula de acabar com a invisibilidade do povo negro, de contribuir para que nos tornemos finalmente cidadãos e cidadãos de primeira classe no país. Os títulos de domínios, as portarias de interesse social entregues nesse dia fazem parte da história de luta Quilombola, são mais de 500 anos lutando por liberdade, vida digna e pelo direito de chamar de nosso, o território que nos pertence ancestral e historicamente.
Recebemos essas entregas e as políticas que têm sido retomadas pelo governo Lula com esperança porque elas correspondem à história de luta do nosso povo. Nossa luta nunca foi fácil. É sabido que os adversários, aqueles que têm interesse em nos desalojar e nos retirar dos nossos territórios, têm grande poder político e econômico. Ao longo de séculos temos construímos cada conquista no meio da adversidade, porque sabemos que não temos outra escolha que não seja lutar. Sabemos também que a nossa luta não é só por nós, mas pelo futuro de várias gerações e contra o colapso do nosso planeta que enfrenta o limite de um processo desenfreado de degradação.
Com orgulho, batalhamos, dentro e fora dos quilombos, para que pudéssemos ter hoje na Presidência da República, uma pessoa que se importe com o povo Quilombola e lute conosco pela nossa cidadania plena. Como nossa a luta não tem sido fácil, sabemos que governar um país, com a complexidade, as dinâmicas de poder e os conflitos de interesse que vemos no Brasil não é fácil. Como nós, o governo também tem lutado contra adversidades para que o Presidente Lula possa cumprir com as promessas feitas ao povo brasileiro.
Reafirmamos que, com todas as dificuldades, não nos resta outra alternativa que não seja lutar. Lutar para fortalecer o espaço político para que o Governo Federal avance nas titulações dos territórios quilombolas. São 500 anos de espera. Nosso tempo é agora. Nossas esperanças de vermos nossos direitos reconhecidos renasceram com este governo.
Estamos falando de esperança porque o atual cenário é desolador. Desde 2003 o INCRA titulou integralmente apenas 24 territórios e outros 34 foram parcialmente titulados. Nesse ritmo o INCRA levará dois mil anos para titular todos os quilombos. Não temos esse tempo, porque nossas lideranças estão sendo ameaçadas, humilhadas e assassinadas, agora, enquanto lutam pelo território, enquanto estão na linha de frente da defesa e da preservação do meio ambiente.
A cada um mês e meio, a vida de uma pessoa quilombola foi eliminada violentamente nos últimos cinco anos. A maior parte desses crimes foram cometidos por pistoleiros, posseiros e proprietários de terra em conflito com os quilombos. Incêndios criminosos contra as nossas comunidades têm sido registrados em vários estados brasileiros, com destruição das nossas casas, nossas lavouras, do pouco que temos e pelo qual trabalhamos tanto para construir. Nossas lideranças assassinadas morrem sem ver o fim do processo de regularização do território finalizado, como aconteceu com Mãe Bernadete. Desde a sua execução, outras 12 pessoas quilombolas foram assassinadas no último ano. Nos conflitos pela terra quilombola, é a paralisia do processo de titulação que permite que a violência se intensifique até chegar no resultado que nesse momento é inevitável, a morte das nossas lideranças.
Precisamos de mais diálogo, mais planejamento, mais orçamento para as titulações quilombolas e maior desburocratização do processo de regularização fundiária dos quilombos. A luta que enfrentamos é muito desigual, os poderes locais têm mais recursos e muita influência para manter a titulação dos nossos territórios eternamente paralisados. Só o governo federal pode nos ajudar a superar a desigualdade dessa luta e enfrentar os interesses dos donos do poder nos municípios e nos estados.
Para superar essa situação, dentro daquilo que é possível na correlação de forças políticas, nós quilombolas entendemos ser necessário: (a) Diálogo sistemático do Ministro do MDA, assim como as diretorias e a presidência do INCRA com quilombolas para construir agendas com objetivos, metas, tarefas e instrumentos de monitoramento; (b) Plano nacional de titulação dos territórios quilombolas, contemplando toda nossa demanda, organizando-a de forma a deixar nítido tudo que precisa ser feito para que, em prazo razoável, todas as comunidades quilombolas sejam tituladas; (c) Recomposição das equipe de trabalho e alocação suficiente de orçamento para as titulações; (d) Enfrentamento das oposições políticas locais para que nossos processos avancem, especialmente pelo INCRA e pelo MDA; (e) Desburocratização do processo de titulação com a revisão a Instrução Normativa INCRA nº 57 e alteração, emergencialmente, da Instrução Normativa INCRA nº 111 para devolver à Fundação Cultural Palmares o processo de escuta das nossas comunidades nos licenciamentos de empreendimentos.
Precisamos que as instâncias do governo federal nos digam a verdade e aprendam a ouvir nosso povo. Sabemos que o orçamento é um desafio, mas compreendemos que nunca seremos verdadeiramente cidadãs e cidadãos de primeira classe se não houver alocação suficiente de recursos para a garantia dos nossos direitos.
Quando lutamos pelo território, estamos lutando pela vida. Pela nossa vida e pela vida de milhões de brasileiros que precisam de soluções para a catástrofe climática. Pedimos ao Senhor Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, um novembro de direitos para a população quilombola. Em 20 de novembro, comemoramos o dia da consciência negra, data do assassinato impiedoso da mais destacada liderança quilombola do nosso país. Pela memória de Zumbi dos Palmares e de tantos quilombolas que tombaram depois dele, pedimos ao Governo Federal que o mês de novembro de 2024 seja utilizado como símbolo para a entrega da titulação e do reconhecimento de mais territórios, que já estão na fase final do processo de regularização.
O dia 19 de setembro foi muito importante, mas precisamos de um 20 de novembro histórico para a população quilombola desse país.
Por um novembro com direitos assegurados!Por um novembro com mais territórios titulados!
Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas
Texto por Comunicação CONAQ, publicado às 14:15:30
Categoria: Lutas Quilombolas