14 set

Vítima de tortura, quilombola é amarrado e agredido por bolsonarista

Por Victor Lacerda, da Alma Preta Jornalismo

Há quem diga que a escravização e suas práticas de tortura não existem mais e findaram junto à assinatura da abolição por parte da Princesa Isabel, em maio de 1988. Informação contestável pelos repetidos episódios noticiados de ataques contra pessoas negras e povos tradicionais. No sábado (11) o jovem Luciano Simplício, de 19 anos, da Comunidade Quilombola do Pega, foi amarrado e agredido por um comerciante – conhecido pelo apoio ao atual presidente da república – à luz do dia. O caso aconteceu no município de Portalegre, no Rio Grande do Norte, há 370km da capital, Natal.

De acordo com apuração feita pelo portal de notícias regionais Mossoró Hoje, Alberan Freitas, autor das agressões, havia espalhado pelo município que Luciano se tratava de um jovem “bandido e drogado”. Farto das declarações do comerciante, populares afirmam que o jovem atirou uma pedra contra o comércio, o que havia sido o estopim do desentendimento entre os dois. A resposta às adjetivações contra o quilombola foi motivo para que Alberan partisse para as práticas de tortura.

Em vídeo publicado nas redes sociais, é possível identificar o jovem deitado no asfalto, amarrado com diversas voltas de uma corda grossa e com marcas de agressões. Além de xingamentos proferidos pelo comerciante, Luciano ainda recebeu chutes nas costas e foi arrastado pela via pública. Enquanto o jovem quilombola pedia pelo fim da tortura, moradores locais também reiteravam que o comerciante não desse continuidade às práticas.

Segundo levantamento feio pela Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ), só nos últimos quatro anos foi acompanhado um aumento de 350% de homicídios contra quilombolas no país.

Na manhã desta terça-feira (14), a primeira vereadora negra eleita da cidade de Natal, Divaneide Basílio (PT), se manifestou nas redes sociais. A parlamentar afirmou estar revoltada com as imagens e reiterou os perigos gerados pelo racismo. “As imagens são revoltantes como o linchamento ainda existe e atinge corpos negros porque o racismo mata todos os dias. Não consigo nem pensar em quantos ancestrais meus viveram situações assim”, desabafou.

A vereadora Brisa Bracchi (PT) compartilhou do mesmo sentimento de indignação colocado por Divaneide. “É um absurdo que linchamento continue sendo prática cotidiana, ainda mais como política de violência contra corpos negros”, disparou a parlamentar.

Ainda na noite da segunda-feira (13), a governadora Fátima Bezerra (PT) afirmou que o Governo do Rio Grande do Norte não será conivente e não compactuará com manifestações eivadas de discriminação, intolerância, ódio e abusos de quaisquer naturezas. “Determinei ao secretário de Segurança, Coronel Araújo, e à delegada-geral da Polícia Civil, dra. Anna Cláudia, a apuração imediata e rigorosa do caso que envolveu um quilombola em Portalegre e que deixou a todos estarrecidos”, declarou, em perfil nas redes sociais.

A Secretaria de Estado das Mulheres, da Juventude, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, que também acompanha o caso, acionou a Secretaria Municipal de Assistência de Portalegre com o intuito de realizar o acolhimento psicossocial necessário à vítima e familiares. Além disso, afirmou estar em contato com a Defensoria e o Ministério Público.

Racismo mata

Como resposta ao episódio e os números levantados em pesquisa sobre agressões e homicídios contra os povos tradicionais, a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ) emitiu uma nota de indignação na manhã desta terça-feira (14). Intitulado “Racismo Mata”, o documento veiculado contou com a assinatura de 46 entidades e apontou que o quadro de extermínio da população conta com omissão e conivência do Estado Brasileiro.

A entidade afirmou que “fica demonstrada a total falta de respeito à vida, à dignidade e existência dos negros e negras que construíram esta nação. A sociedade brasileira deve ser lembrada todos os dias e todas as horas que somos nós, negros e negras, filhos e filhas da África, que fazemos parte do patrimônio imaterial deste país e continuaremos fazendo”, disparou, em nota.

A CONAQ ainda reitera a necessidade de uma efetiva apuração dos fatos por parte das autoridades públicas e o devido acompanhamento da vítima por serviços de assistência, além de psicológica,  jurídica e social.

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