15 abr

O CAR QUILOMBOLA E A IMPORTÂNCIA DA LÓGICA COLETIVA

Entre os dias 08 a 12 de abril de 2019 foi realizado um treinamento intensivo entre lideranças quilombolas de diversos estados do Brasil sobre o Cadastro Ambiental Rural-CAR para Povos e Comunidades Tradicionais.

O treinamento teve como premissa o respeito à particularidade e especificidade das comunidades quilombolas, especialmente sua forma de ocupação dos territórios onde vivem há gerações coletivamente.

A imersão de quatro dias foi guiada por dois técnicos, e já especialistas em CAR, quilombolas. Francisco Chagas Sousa e Alcindo Patrício foram os professores de seus companheiros quilombolas. Experientes, Chagas e Alcindo já realizaram o cadastro completo de suas comunidades e de outras quilombolas no sistema on-line do governo chamado SICAR, a base de dados que recebe as informações cadastradas sobre todos os imóveis rurais do Brasil, inclusive sobre as comunidades quilombolas.

Alcindo, que é quilombola da comunidade Povoado Prata, no estado do Tocantins, avaliou como muito produtivo treinamento.

Além de a gente estar formando as pessoas, a gente está adquirindo conhecimento, conhecendo outras realidades de outros estados.

Nesta formação estamos formando multiplicadores, para fortalecer o movimento e conseguir subir outros cadastros para a base nacional e mostrar que os quilombolas estão ativos e estão lutando pelos seus direitos.

Coletividade

Fonte de muita discussão, o CAR é uma ferramenta de cadastro criada em decorrência do Código Florestal firmado em 2012. A princípio, o CAR não foi pensado para contemplar a diversidade de formas de ocupação territorial existentes no país. Partindo de uma lógica privada, o CAR foi criado por técnicos que tomaram como base para o cadastro os terrenos individuais. Este princípio não se encaixou para a realidade dos quilombolas, indígenas e outros povos tradicionais. A partir da crítica e pressão feita pelos movimentos sociais, dentre eles, a CONAQ- Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas o governo começou a dialogar com as lideranças de povos e comunidades tradicionais brasileiras para readequar o CAR para a realidade deste público. Os quilombolas foram pioneiros nesta discussão, e já estão em diálogo sobre o CAR desde o ano de 2015. Francisco Chagas faz parte de um grupo de lideranças da CONAQ que está debatendo sobre o CAR desde sua criação. O piauiense, morador do quilombo Tapuio, destaca:

A forma que o cadastro foi preparado foi para cadastrar um território de forma individual, e desta forma, para o caso quilombola, ele tira a natureza do objeto, por que nas nossas comunidades a relação é coletiva. Feito de maneira individual ele se torna uma ferramenta excludente.

Não é possível as comunidades do Brasil fazerem um cadastro individual. Desta forma, estaria ferindo os nossos direitos.

Visibilidade

Os quilombolas participantes desta imersão consideram de grande importância o engajamento das comunidades quilombolas em relação ao cadastro de seus territórios. Ainda que o CAR não seja fruto de uma política a princípio consultiva, agora o cadastro já é uma realidade. E mais importante, já está sendo realizado por diversos produtores rurais individuais. Os quilombolas observam que em algumas situações já foram identificadas sobreposições de cadastros de fazendeiros em territórios tradicionais quilombolas. Outras formas de conflito de informações fundiárias decorrentes do CAR já foram identificadas. Devido a esta realidade, hoje o CAR se apresenta como uma necessidade e para alguns casos, um possível aliado no luta quilombola.

O governo fala que o CAR é uma ferramenta sem efeito fundiário, mas se a gente for analisar bem a proposta do CAR, ele entra com uma proposta fundiária. E o que as comunidades precisam? Elas precisam do seu território. E como que esse processo se dá? É através de questões fundiárias… Então, se nós quilombolas elaborarmos o CAR de forma que consigamos mostrar para os órgãos de governo que a gente existe e que o nosso território de direito é aquele que está demonstrado no CAR, isso facilita muita coisa. (Alcindo Patrício).

Nós precisamos de uma mobilização para que nós informemos nossos quilombos do para que eles realizem seus cadastros e subam seus cadastros . Por que seus territórios correm o risco de serem cadastrados por outros, como por exemplo fazendeiros, ou pessoas que tenham interesse ali de posse dentro daquele território. Existe esse risco . Mas as comunidades precisam fazer o CAR nessa ótica e nessa lógica do coletivo. (Francisco Chagas).

Os dois especialistas quilombolas avaliam que o CAR ainda precisa de ajustes para que seja de fato uma ferramenta produtiva para as comunidades quilombolas. Como avaliou Alcindo, “nem positivo, nem negativo, o CAR ainda é uma incógnita”. Reconhecidamente nebuloso para os quilombolas, o CAR se apresenta como uma ferramenta a ser decifrada e modelada dentro da lógica deste grupo tradicional de brasileiros. Nas palavras de Francisco Chagas: “ ele ainda precisa de muitas alterações para que a gente possa dizer que é um modulo que atende e que realiza de forma legal o cadastro das comunidades quilombolas”.

O treinamento sobre o CAR para Quilombolas é fruto de uma parceria entre a CONAQ e o Instituto Sócio Ambiental- ISA.

Treinamento CAR quilombola, de 08 a 12 de abril de 2019.

*Matéria: Assessoria de Comunicação CONAQ

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