16 jul

O Brasil Também é Quilombola e o IBGE 2020 irá ajudar a mostrar o quanto!

Família Quilombola da Comunidade Quilombola Maria Joaquina, Rio de Janeiro. Foto: Ana Carolina Fernandes

16 de julho de 2018

Uma iniciativa inédita está sendo implementada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o famoso IBGE, responsável pelo recenseamento da população brasileira e organização de dados estatísticos socioeconômicos e demográficos oficiais do país.

Trata-se do levantamento censitário da população quilombola do Brasil. Uma luta antiga do movimento quilombola que agora, através da confluência[i] entre a CONAQ e gestores do IBGE, aliados ao Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA-ONU), e com o apoio de órgãos governamentais como o INCRA, a Fundação Cultural Palmares e a SEPPIR, vem se concretizando e tornando cada vez mais viável o Censo Quilombola de 2020.

A aproximação entre a CONAQ e o IBGE se fortaleceu a partir do ano de 2016, durante uma conferência promovida pelo IBGE, chamada INFOPLAN- 3ª Conferência Nacional de Produtores e Usuários de Informações Estatísticas, Geográficas e Ambientais.  Neste evento os gestores do IBGE convidaram membros da CONAQ, do Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais, Órgão Governamentais e especialistas da academia para discutirem sobre as lacunas existentes em termos estatísticos e geográficos em relação a representação oficial das comunidades quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais.

Em entrevista para a CONAQ, Marta Antunes, Antropóloga do IBGE[ii] e Fernando Damasco[iii], geógrafo do instituto, contaram um pouco sobre o processo de aproximação e construção do questionário aplicável para o Censo Quilombola.

Panfleto de divulgação do Censo Quilombola 2020- Foto: Ana Carolina Fernandes

Vale lembrar que as metodologias que serão utilizadas em 2020 ainda estão em fase de teste, passando por processos de consulta às lideranças e provas em campo, para que se adequem da melhor maneira possível à realidade quilombola e assim, forneçam um retrato mais fiel do nosso povo quilombola dentro do todo da população brasileira.

“Como a gente sabe que é a primeira vez que a população quilombola estará tendo a oportunidade de estar em um censo demográfico, o IBGE não pode fazer este processo sem consultar as próprias comunidades. Considerando que existe uma articulação nacional como a Conaq, com representações nacionais, estaduais e locais a gente considera que seja importante que seja considerada a Convenção 169, e que este rito de consulta seja realizado, tendo a Conaq como ponto focal de organização destas demandas desde o local, até o nacional”. Marta Antunes-Antropóloga do IBGE.

Marta Antunes apresentou um panorama histórico da construção do Censo Quilombola 2020 durante a fase de consulta às lideranças. Foto: Ana Carolina Fernandes

Uma série de estudos técnicos vêm sendo feitos para o levantamento geoespacial de localização das comunidades quilombolas. Fernando Damasco, geógrafo do IBGE, explicou que as informações existentes até o momento em algumas bases de arquivos geoespaciais sobre as comunidades quilombolas ainda são insuficientes para retratar o todo existente no Brasil.  Por isso, o IBGE e todas as suas unidades, está realizando uma grande busca e sistematização de todas informações disponíveis que permitam ao instituto de pesquisa traçar uma “malha de setores censitários quilombolas” mais robusta para a pesquisa de 2020.

“Nós sentíamos a necessidade de promover um refinamento metodológico no sentido de dar conta deste quantitativo expressivo de comunidades que a sociedade civil aponta existir no Brasil, em torno de 5 mil comunidades. Considerando-se que 3 mil delas hoje já contam com a certidão da autodeclaração quilombola.

A partir agora, segundo semestre de 2018, o IBGE inicia de forma mais efetiva a preparação da malha territorial do censo 2020. Isso vai envolver trabalhos de campo, reunião de base de dados de diversos órgãos governamentais, tudo isso no sentido de possibilitar que a área de estatística do IBGE possa saber onde e como realizar quesitos e/ou questionários que sejam necessários para a identificação da população quilombola”. Fernando Damasco, geógrafo do IBGE.

Fernando Damasco, passou informações técnicas sobre as metodologias de pesquisa do IBGE durante a reunião de consulta. Foto: Ana Carolina Fernandes

Em 2017 um primeiro teste piloto foi realizado em comunidades quilombolas do Rio de Janeiro. O resultado foi bastante satisfatório para o IBGE em relação à viabilidade e relevância desta pesquisa: dentro dos territórios visitados 85 a 90% das pessoas se autodeclararam quilombolas. O que para a antropóloga Marta Antunes demonstra que se trata “ de uma proposta técnica viável e factível”.

Neste ano de 2018, algumas reuniões entre a CONAQ e o IBGE já aconteceram, alguns representantes técnicos responsáveis estiveram na Plenária Nacional da CONAQ explicando sobre o processo de pesquisa; no início de julho aconteceu uma rodada de consulta às lideranças nacionais quilombola na casa da ONU, em Brasília; e agora os próximos passos serão aumentar a área de testes pilotos e aplicação dos questionários censitários para outras comunidades quilombolas do território nacional.

Nos próximos meses, e no primeiro semestre de 2019, outras comunidades quilombolas serão visitadas por agentes do IBGE que irão realizar a pesquisa censitária entre a população quilombola local. A expectativa é que até o mês de março de 2019 mais 12 estados da federação sejam contemplados com os testes piloto.

“Existem vários Brasis dentro do Brasil. Alguns as estatísticas oficiais já conseguem apresentar dados com segurança, e outros a gente ainda está caminhando. Eu acho que vai ser um avanço muito grande a gente poder dar esse primeiro retrato da população quilombola.

Não vai ser “O retrato definitivo”, a gente acredita que outros censos deverão ser feitos, onde a gente vai “focar melhor” as nossas câmeras, enquadrar melhor essa população, mas eu acho que vai ser muito interessante para a sociedade brasileira conhecer e se reconhecer em sua diversidade”. Declarou Marta Antunes.

Durante a etapa de consulta ocorrida em Brasília, Denildo Rodrigues , o Biko, liderança quilombola nascido no quilombo de Ivaporanduva-São Paulo ressaltou que esta é uma conquista do movimento quilombola e da CONAQ que irá repercutir de maneira grandiosa para a visibilidade da população quilombola do país e para a aplicação de políticas públicas.

“Nós temos muitas expectativas em relação a este estudo do IBGE. Já estamos batendo na porta reivindicando o Censo Quilombola há muitos anos. Acima de números estatísticos, somos pais, mães, sobrinhos, avós. Este país é quilombola e precisamos ter orgulho daquilo que somos e orgulho da nossa identidade” Biko-Conaq.

Mãe e meninas quilombolas da Comunidade Quilombola Horizonte, Ceará. Foto: Ana Carolina Fernandes

[i] Confluência é um termo utilizado pelo mestre de saber e pensador quilombola Antônio Bispo dos Santos. Em seu livro mais recente, “Colonização, Quilombos: Modos e Significados” Antônio Bispo assim define o termo : “Confluência é a lei que rege a relação de convivência entre os elementos da natureza e nos ensina que nem tudo que se ajunta, se mistura, ou seja, nada é igual. Por assim ser, a confluência rege também os processos de mobilização  provenientes do pensamento plurista dos povos politeístas (…)Eis aí o grande desafio resolutivo para que possamos chegar ao nível de sabedoria e bem viver por muitos ditos e sonhados.  Para mim, um dos meios necessários para chegar a este lugar é transformarmos as nossas divergências em diversidades, e na diversidade atingirmos a confluência de todas as nossas experiências”.

[ii] Marta Antunes trabalha na Diretoria de Pesquisas do IBGE, na Gerência Técnica do Censo Demográfico.

[iii] Fernando Damasco trabalha na Diretoria de Geociências do IBGE.

*Texto: Assessoria de Comunicação da Conaq

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