“Estamos no tempo de plantar”: quilombolas de Santarém (PA) rearticulam grupo de mulheres
Assim como em Santarém (PA) é comum a prática do “puxirum” – quando várias pessoas se juntam para trabalhar e ajudar alguém -, as mulheres quilombolas da cidade também se unem para apoiarem umas às outras. O ‘Encontro de Mulheres Quilombolas’, realizado entre os dias 25 e 26 de janeiro, em Santarém, foi um desses momentos de troca. O evento foi organizado Terra de Direitos em parceria com o Centro de Estudo e Defesa do Negro do Pará (Cedenpa) e do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea).
Aproximadamente 60 mulheres de 12 territórios, que integram a Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS), participaram da atividade marcada por momentos de reflexões, canto, dança, afeto – e muito riso e animação. Esse foi um encontro que possibilitou o diálogo entre mulheres quilombolas de diferentes comunidades e com um mesmo propósito: fortalecer a atuação feminina na luta pela terra e por direitos.
“A gente pensa algum momento que as mulheres precisam estar conversando, elas precisam estar se organizando, porque nós precisamos alcançar muitos espaços que ainda não estão abertos para a gente”, aponta a quilombola Miriane Costa Coelho, da comunidade Nova Vista do Ituqui. Em um contexto de ataques aos direitos das mulheres e à política quilombola – com a paralisação dos processos de titulação de territórios de todo o Brasil – a atuação das mulheres se faz cada vez mais necessária.
Integrante do Cedenpa, a quilombola Maria Luiza Carvalho Nunes, contribuiu com a atividade. Ela lembra que, assim como no puxirum é preciso que haja uma organização prévia para a execução dos trabalhos, é importante que as mulheres estejam organizadas para enfrentar qualquer desafio. “Na plantação também respeitamos o tempo, para garantir que cada coisa seja plantada na época certa. Agora estamos no tempo de plantar”, destaca, comparando com o tempo certo para a articulação das mulheres quilombolas.
Avanços
Um dos principais objetivos do encontro – de refletir a importância da organização coletiva das mulheres – resultou no fortalecimento de grupos já existentes. Durante a atividade, as participantes escolheram a nova coordenação do Na Raça e Na Cor – o grupo de mulheres da FOQS. Criado em 2008, o Na Raça e Na Cor engloba os grupos de mulheres já existentes nos quilombos da cidade. A proposta construída na atividade é de que a nova diretoria fique à frente do coletivo pelos próximos dois anos, e que outras atividades sejam realizadas neste período.
Além disso, representantes de cada território foram escolhidas para serem responsáveis pela articulação entre os grupos de mulheres locais e o grupo de mulheres de Santarém. “Hoje o Na Raça e Na Cor se torna um grupo mais consolidado e representativo”, avalia Miriane, vice-presidente do grupo de mulheres da FOQS e integrante do grupo Vitórias Régias, na comunidade onde mora.
Coordenadora e uma das criadoras do Na Raça e Na Cor, Ana Cleide da Cruz Vasconcelos também celebra o fortalecimento do grupo. “ A gente que estava dispersa, um pouco afastadas, nesse encontro pudemos nos unir de novo”, conta a quilombola do Quilombo Arapemã. “Foi uma coisa muito boa porque as mulheres se sentiram à vontade, e tenho certeza que daquele dia ali elas levaram muitas coisas na cabecinha de cada uma”.
Para Ana Cleide, os planos para o futuro são grandes: além de buscar o envolvimento de mais mulheres, a proposta do grupo é avançar na discussão e na efetivação de políticas públicas para as mulheres quilombolas, como de geração de renda. “Tem muitos trabalhos que elas fazem, que são muito bonitos, e queremos pensar em empreendedorismo, em levar oficinas para dentro das comunidades. Que a gente não pode ficar dependendo só do parceiro, a gente deve depender da gente também”, comenta.
Durante a atividade, a quilombola Maria Cristina Guimarães da Silva, do quilombo Bom Jardim, também destacou que a organização das mulheres não resulta na separação das lutas travadas pelos companheiros homens ou pela FOQS. “Não queremos estar acima deles, mas igual a eles. Queremos mostrar que somos também capazes”, reflete.
Empoderamento
Além da consolidação do grupo de mulheres, a atividade também foi o momento de destacar a necessidade do fortalecimento individual de cada quilombola – que, de acordo com as participantes, também é alcançado com a ajuda de outras mulheres. “Eu só sabia cuidar dos outros, eu não sabia dizer ‘não’. Hoje eu entendo que eu preciso estar bem para cuidar de alguém”, conta a quilombola Lídia Roberta Amaral, do Quilombo Pérola do Maicá.
Com 61 anos, dona Isabel dos Santos é figura de referência no Quilombo Bom Jardim. Parteira desde os 20 anos, ela é responsável pelo nascimento de cerca de 40 crianças e é também coordenadora do grupo de mulheres da comunidade, chamado Pérola Negra. Para ela, a solidariedade é uma das maiores características do grupo. “Se tem uma pessoa que está precisando, o nosso grupo de mulheres junto com a comunidade, com todas as lideranças, a gente faz um bingo, uma promoção, e a gente vai ajudar aquelas pessoas que estão precisando”, relata.
E se mostra animada com a experiência de encontro entre as mulheres quilombolas de diferentes territórios: “No meu ver o que acontece quando a gente se une é uma grande alegria, uma grande interação. Um compromisso uma com a outra de a gente estar junto, se conhecendo, conversando”.
No próximo período, outras atividades semelhantes devem ser realizadas. As participantes voltarão a se reunir ainda em fevereiro para pensar uma agenda de encontros para 2020, em cada território da FOQS.
Matéria publicada no site Terra de Direitos em 04 de fevereiro de 2020.
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