Carta do 5º Encontro das Comunidades Quilombolas – CONAQ

Nós, quilombolas participantes do 5º Encontro da Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas do Brasil-CONAQ, reunidos na cidade de Belém do Pará entre os dias 22 a 25 de maio de 2017, vindos do Pará, Bahia, Maranhão, Alagoas, Pernambuco, Amapá, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Paraná, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Piauí, Paraíba, Tocantins e Goiás, vimos por meio desta carta expressar três sentimentos.

O primeiro deles é de alegria em poder nos encontrar pela 5º vez em nível nacional. Os encontros da CONAQ aconteceram nas seguintes cidades e anos: I Encontro Nacional aconteceu em Brasília/1995; II Encontro Nacional em Salvador/2000; III Encontro Nacional em Recife/2003; IV Encontro Nacional na cidade do Rio de Janeiro/2011 e V Encontro Nacional/Belém, 2017 com o tema: Terra Titulada, Liberdade Conquistada e Nenhum Direito a Menos. Do I Encontro Nacional da CONAQ em 1995 até o V, aconteceram sucessivos encontros de formação política da coordenação nacional, das coordenações estaduais, seminários nacionais, regionais, assembleias, fóruns, debates, participações de quilombolas em diversos espaços de construção de políticas locais, regionais e nacional e neles muitas construções e enfrentamentos do racismo institucional nas suas diversas faces se fez em defesa dos quilombolas e dos territórios quilombolas. Os desafios que se apresentaram foram enfrentados com muita determinação pela CONAQ. Nunca foi fácil qualquer das ações que envolvam os quilombolas e os negros e negras em geral.

Portanto, resistimos por nenhum direito a menos!

O segundo sentimento é o de que estamos dando mais um passo rumo a consolidação de um movimento social mais dinâmico, altivo e plural na América Latina. Apesar dos mais de 300 anos de escravidão, ainda hoje presenciarmos situações análogas ao trabalho escravo, mantivemo-nos em nossos territórios, cuidamos deles como espaços sagrados, pois é deles que depende nossa existência, e, se em 1995 tínhamos o reconhecimento de 412 quilombos no Brasil, hoje somos mais de 5.000 (cinco mil) quilombos em todo Brasil. Portanto somos uma força importante e incapaz de ser ignorada pelo Estado brasileiro que buscou e busca a todo custo nos invisibilizar e nos oprimir da hora que nos arrancaram de nossas terras ancestrais, na África.

Portanto, resistimos por nenhum direito a menos!

O terceiro sentimento é de muita preocupação com o momento que estamos vivendo no Brasil. O país passa por momento de instabilidade causado pelas forças conservadoras formada por uma elite branca e usurpadora das riquezas brasileiras compostas de banqueiros, fazendeiros, empresários, pelo legislativo e setores do judiciário, entre outros, que não aceitaram a vontade do povo brasileiro que elegeu sucessivamente 4 mandatos das forças de esquerda liderada pelo Partido dos Trabalhadores. Esses governos foram atacados fortemente por terem tentado, se não diminuir as desigualdades entre negros e brancos, pelo menos esforços significativos para incluir os mais pobres de nosso país em programas sociais, elevando assim a qualidade de vida dos “chamados mais pobres”, sendo esses os negros, saindo dos quadros de miserabilidade e passando a ter garantido direitos básicos, como por exemplo, o direito a alimentação. Não foi fácil, porém, os resultados são visíveis, entre eles se destacam as políticas de inclusão social e as políticas de ações afirmativas que levaram muitos quilombolas a direitos nunca antes acessado. Porém, tudo isso encontra-se ameaçado por conta do Golpe Parlamentar imposto a primeira mulher eleita a presidenta do país, demonstrando uma das faces do machismo mais violenta já vista na história dos 500 anos.

Portanto, resistimos por nenhum direito a menos!

O governo formado a partir de um Golpe e sem legitimidade do povo brasileiro, com anuência do parlamento, do judiciário e da imprensa do Brasil trabalham para desconstruir todos os espaços que atuam na promoção, na elaboração e execução de políticas para as comunidades quilombolas, os povos indígenas e os outros povos tradicionais, a exemplo, da destituição do Ministério do Desenvolvimento Agrário, inclusive acabando com ouvidoria agrária nacional que era um espaço de diálogo entre os governos e os trabalhadores e trabalhadoras do campo e enfraquecendo o INCRA em suas atribuições, principalmente as ações de regularização fundiária das comunidades quilombolas com a retirada de quase todo o seu orçamento e contingenciando o restante; a descaracterização do Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, que deixou de ser uma instância de articulação, elaboração e execução de políticas para as mulheres, negros e negras, quilombolas e povos e comunidades tradicionais e de direitos humanos; enfraquecimento e militarização da FUNAI; enfraquecimento das ações do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome – MDS, ministério esse que grande parte de suas ações eram voltadas para a inclusão social; deslegitimação da Fundação Cultural Palmares, nas suas principais atribuições, em especial nos processos de licenciamento ambiental envolvendo as comunidades quilombolas.

Portanto, resistimos por nenhum direito a menos!

Outro atentado do governo ilegítimo é a destituição, descaracterização, esvaziamento dos conselhos, Comissões, Fóruns e Grupos de Trabalhos, a exemplo do Conselho de Promoção de Igualdade Racial-CNPIR, Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais-CNPCT, Conselho Nacional de Política indigenista-CNPI e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável-CONDRAF.

Ressalta-se que todos os espaços, tanto de participação social como os de formulação e execução de políticas específicas, foram conquistas dos movimentos sociais que muito lutaram para romper as barreiras impostas pelo racismo institucional, pelo colonialismo e pela elite detentora do poder político e econômico do Estado brasileiro.

Portanto, resistimos por nenhum direito a menos!

O Golpe trouxe uma crise política nas instituições públicas e muita tensão. Nunca se matou tantos quilombolas, indígenas, trabalhadores e trabalhadores no campo e na cidade com o consentimento, seja pela ação direta ou pela negligência do próprio Estado brasileiro, como nesse ano que estamos regidos pelo governo ilegítimo.

Portanto, resistimos por nenhum direito a menos!

 

Diante do exposto, a plenária do 5º encontro nacional da CONAQ, repudia e condena:

  • A CONAQ repudia e condena toda e qualquer forma de manifestação do racismo por entender que é destas manifestações que nascem as desigualdades e as violências sofridas pela população negra, povos indígenas e demais povos e comunidades tradicionais;
  • A CONAQ repudia e condena toda e qualquer governo em qualquer instância formado a partir do rompimento com o processo democrático;
  • Repudia e condena todos os atos de violência de gênero ou qualquer outra natureza, no campo e na cidade;
  • Repudia e condena os atos arbitrários do Governo Federal na data de 24 de maio na cidade de Brasília, com manifestantes em defesa da democracia, usando a força para massacrar e violentar manifestantes; e a violência promovida pelo Governo do Pará por meio de seus aparelhos policiais que tem matado trabalhadoras e trabalhadores como o caso que ocorreu na Chacina em Pau d’ Arco, ontem 24 de maio de 2017, deixando 10 trabalhadores rurais mortos;
  • Repudia e condena a criminalização dos movimentos sociais e suas lideranças por setores do judiciário, legislativo e executivo;
  • Repudia e condena a postura e as ações do parlamento brasileiro sob a liderança da bancada ruralista que trabalha diuturnamente para desconstruir a Constituição brasileira e a legislação que garante os direitos territoriais de quilombolas, indígenas, bem como os meios de garantias da preservação e sustentabilidade ambiental. Destacamos nesse ataque racista a realização da Comissão Parlamentar de Inquérito- CPI (FUNAI e INCRA), que busca criminalizar as lideranças indígenas e quilombolas, servidores públicos, apoiadores das lutas sociais. Além disso, a CPI propõe e extinção do INCRA e da FUNAI, a revogação do decreto 4887/2003 e propõe uma nova regulamentação para o art. 68 do ADCT para não reconhecer a territorialidade coletiva, a auto definição e impõe novamente, de forma arbitrária, o marco temporal, que não reconhece a história, o esbulho e as violências sofridas por esses povos;
  • Repudia e condena todos os estados da federação que se omitem na garantia dos direitos e na execução de políticas para as comunidades quilombolas, inclusive deixando de regularizar terras públicas em seu domínio e permitindo a ampliação da violência contra quilombolas, indígenas, outros povos e comunidades tradicionais e trabalhadoras e trabalhadores rurais;

Portanto, resistimos por nenhum direito a menos!

A plenária do 5º encontro nacional da CONAQ, afirma e delibera que:

  • Continuará na luta pela garantia da autonomia dos territórios quilombolas e por nenhum direito a menos;
  • Continuará lutando, de forma intransigente, pela regularização fundiária dos territórios quilombolas, estejam eles sobrepostos por terras públicas federais e estaduais, sejam terras em posse de particulares;
  • Pela sustentabilidade das comunidades quilombolas;
  • Pela garantia e fortalecimento da emancipação das mulheres quilombolas;
  • Pela autonomia, inserção e participação da juventude quilombola nos espaços de formulação de política, tais como: conselhos, fóruns e demais espaços de representação, que tenham como objetivo a promoção de direitos e elaboração de políticas públicas;
  • Investirá na formação política da juventude e das mulheres quilombola;
  • Lutar para que se reestabeleça o processo democrático no Brasil e as estruturas de Estado de elaboração e execução das políticas de promoção de igualdade racial desmantelada e destruídas pelo governo ilegítimo oriundo do Golpe;

 

Terra Titulada, Liberdade Conquistada e Nenhum Direito a Menos!

 

 

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